Eu já tinha avisado a Rodolfo, meu politizado pastor alemão,
que, enquanto não concluísse meu livro, estaria de quarentena, em relação a outros
assuntos. Todavia, ele é obcecado por acontecimentos político – policiais, e, à
noite, mal abro o portão, chegante do escritório e lá vem ele, a falar dos
presos do dia. Digo-lhe eu tais informações, tão banais se tornaram, que passam
distante de meu interesse. E, para mostrar a concentração no livro, cujo final
me desafia, disse-lhe que até mesmo o Botafogo, amor de vida inteira, deixei de lado. Até nossos
passeios ao parque andam silenciosos e foram encurtados, para felicidade de
Nara, a repetir que ambos, eu e ela, já passamos da idade de subir e descer
morro, em marcha acelerada.
- “Melhor andar
devagar, apreciando a paisagem e marcar ponto, em um dos bancos, defronte ao
lago, acompanhando o vai e vem dos gansos”, aconselhou-me ela, sábia velha
senhora. Mas Rodolfo é intrépido e voluntarioso. Outro dia, saía para o trabalho
e ele veio exibir-me, pendurado à boca, um saruê, partido ao meio, que ousara
ultrapassar o portão, para surrupiar-lhe ração. Rodolfo é determinado e não
desiste fácil. Não é que sábado, voltávamos do parque e, ao chegar em casa, ele
me fechou, impedindo que eu subisse a escada:
- “chefe (odeio, quando
ele, só para me amolecer, chama-me, assim) sei que sua cabeça está na obra inacabada
(senti certa ironia nessa fala), mas precisamos conversar sobre coisa séria?”
- “E você acha que um livro não é coisa séria?”
- “Aqui pra nós, chefe,
não é um pouco de pretensão você achar que está escrevendo a obra do século?”
- “Livro, meu caro
Rodolfo, é como filho, sempre é lindo e importante. Mas afinal, sobre o que
você quer falar que, ao que tudo indica, mudará a história do mundo?”
- “Do mundo, não sei,
mas do Brasil, com certeza. Você viu a última pesquisa, a indicar que a
presidência está entre Luciano Huck, Lula e Bolsonaro? Quero saber em quem
vamos votar e o que podemos esperar do eleito.”
- “Nós, quem Rodolfo?
Vou lhe mostrar uma coisa, que é um projeto para 2018”. (Entro em casa e volto, minutos, depois.) “Esta é uma área de terra, 2.000 m², para ser
mais preciso, que comprei em Arraial D’Ajuda, lá no sul da Bahia. É minha visão
mais próxima do paraíso. Vou construir uma casa pequena e o restante da área
ficará para você, Nara, Olavo, Romeu, Clóvis e mais uns dois ou três, que
chegarão. Lá será nossa “República”, que terá uma única lei: “todos são
obrigados a viverem em harmonia e, se possível, com amor. “Lá, não será
permitida a entrada de estranhos e conto com vocês, para que se cumpra este objetivo. Lá, viveremos até
o final de nossos tempos, contemplando o mar, sem compromissos e sem ordens. E,
quando morrermos, as cinzas de cada qual serão espalhadas em um canto, próximo
ao mar.”
- “E dona Renata irá
conosco?”
- “Se ela quiser, é
claro, mas duvido que ela fique longe
dos filhos e netos, mas, todos eles, e apenas eles, serão sempre bem-vindos,
com direito a trazerem violeta, Indira e Gandi. Esta é a razão, meu caro, de
não estar interessado no próximo presidente. Seja quem for, só espero que ele
não comprometa “nossa República””.
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