Quando se analisa os resultados da lava-jato, forçoso é
concluir que a sabedoria (para não dizer esperteza) do Juiz Sergio Moro e da
Polícia Federal foi trazer a mídia, como sua aliada. Com essa robusta “parceria”,
foi possível praticar o arbítrio, afrontar a legislação, inclusive a
Constituição, obtendo, até, o aplauso da população, que enxergava, apenas, os
resultados. A indignação, muda, diga-se de passagem, ficou restrita ao mundo
jurídico, vez que o arbítrio “legalizado”
sempre compromete o Estado de Direito. Prisões temporárias e conduções
coercitivas foram decretadas, com o objetivo específico de obter delações, com
excessivos “premios”, concedidos aos
delatores. Em um primeiro momento, o escopo era chegar a Lula, nomeado o chefe
da organização criminosa. Todavia, por algum motivo – receio, talvez -, sua
prisão não foi decretada, apesar de ele, com frequência, desafiar Moro e, às
escâncaras, obstruir as investigações. Entretanto, o fruto mais espúrio da
relação “Curitiba/mídia”, a meu
modesto juízo, foram os vazamentos de gravações, inclusive de investigados com
foro privilegiado. Todas estas arbitrariedades cometidas, estavam justificadas
pelos resultados. Em magnífico artigo, publicado em “O Globo”, do último
domingo, 29, sob o título “Advocacia em
Tempo de Cólera” o ilustre advogado criminalista, Técio Lins, conhecido pela
defesa de presos políticos, à época do regime militar, observa que “hoje, enfrentamos as arbitrariedades
decorrentes do Direito Penal do inimigo, que suprime garantias processuais, antecipa
a punição e impõe penas desproporcionais”. E, com rara felicidade, afirma
que: “é inacreditável a alegação, falsa,
de que o necessário combate à criminalidade, especialmente a que assalta os
cofres públicos, exige a flexibilização de direitos”. O artigo do ilustre
advogado deveria ser lido, em todas as faculdades de Direito, para que seus
estudantes compreendessem a importância da advocacia ser exercida, com altivez,
principalmente “em tempos de cólera”.
Na mesma edição de “O
Globo”, o competente jornalista, Elio Gaspari, afirma que “o sistema está embaralhando a lava-jato”.
Na verdade, a lava-jato, impulsionada pela mídia, embaralhou-se a si mesma,
quando, “flexibilizou” normas
jurídicas, que estruturam o Estado de
Direito. Agora, passados os momentos de glória e ufanismo, é hora de recompor o
lesionado ordenamento jurídico, missão a ser cumprida pelos Tribunais
Superiores. A Constituição estabelece, como cláusula pétrea, o princípio da
presunção da inocência, daí decorrendo que o acusado somente será declarado
culpado, após o trânsito, em julgado, da sentença condenatória, isto é, quando,
contra essa, não mais couber recurso. Em momento de euforia, o Supremo Tribunal
Federal, rompendo com a tradição do direito brasileiro e, apagando aquela norma
constitucional, entendeu que o condenado, em segunda instância, deveria ser
recolhido à prisão. Agora, o mesmo Supremo já admite rever sua posição e
restaurar a sistemática, até então vigente. Argumentam os contrários, que a
prisão em segunda instância vigora, nos países desenvolvidos. Não refuto a
tese, mas, para vigorar, no Brasil, mister que se emende a Constituição,
competência exclusiva do Poder Legislativo.
Outra ilicitude, praticada pela “operação” foram vazamentos de depoimentos, comprometendo pessoas,
com foro privilegiado. Como qualquer pessoa lúcida, também abomino o foro privilegiado, todavia,
enquanto estiver ele esculpido em nossa Carta Constitucional, terá que ser
respeitado e, à luz do bom direito, tais vazamentos, com todas as repercussões
deles advindas, comprometem aqueles depoimentos, gerando nulidade dos mesmos e
jogando por terra toda a investigação realizada.
De se concluir, pois, que a lava-jato, ao “flexibilizar” as normas jurídicas,
molhou-se, a si mesma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário