De maus Partidos a Democracia
Brasileira é feita
Outro dia, tendo um “papo
cabeça” com um amigo, por quem tenho grande admiração, apesar de nossas
divergências ideológicas, ele, petista de primeira hora, dizia-me de sua
desilusão pelos rumos tomados pelo partido, depois de ter ascendido ao Poder.
Esperava – dizia-me ele – que se inaugurasse novo ciclo na história do Brasil,
onde o social fosse colocado acima dos interesses individuais e, sem abdicar
das irreversíveis regras do mercado, pudéssemos construir uma sociedade mais
justa. Tentei consolar o dileto amigo, dizendo-lhe que a culpa não é do partido
em si, mas da péssima estrutura da democracia brasileira, construída sobre
terreno pantanoso. Dei-lhe um exemplo, ligado a minha área de atuação: as grandes
modificações, realizadas no ordenamento jurídico brasileiro, ocorreram em
regimes de exceção. A Consolidação das Leis do Trabalho, o Código Penal e o
Código de Processo Penal vieram à luz no período mais duro da ditadura Vargas
e, com algumas “plásticas” sofridas,
aqui e ali, ainda estão em vigor, cumprindo sua função econômico-social. O
Código de Processo Civil, cognominado “Código
Buzaid”, nasceu, em 1973, no Governo Médici. Por outro lado, o Código Civil
vigente tramitou por quase 20 anos no Congresso Nacional. Nos regimes
ditatoriais, o macro ordenamento jurídico era elaborado por “grupos de trabalho” integrados por
juristas de notável saber que construíram institutos jurídicos sólidos, que
resistiram e resistem às grandes transformações sociais do País. Como o
Congresso Nacional é, pela sua própria essência, uma casa política, as leis,
via de regra, submetem-se ou a interesses de grupos, ou, até mesmo, a nebulosos
interesses individuais, como vimos, recentemente, na aprovação da lei que
modificou o cálculo do superávit primário. A própria Constituição Federal de
1988, denominada “Constituição Cidadã”
é verdadeira “colcha de retalhos”,
considerada, pelos melhores constitucionalistas pátrios, como a pior Carta
elaborada, em todo o período republicano. Por óbvio, a culpa destes equívocos
jurídicos não é apenas do PT, mas do absurdo número de partidos políticos
criados, a partir da redemocratização, a maioria deles sem um ideário definido,
movidos, essencialmente, pelas vantagens econômico-financeiras de se ter um
partido político. Quando se fala em uma reforma política (que, a meu juízo,
jamais sairá do papel), fundamental seria a criação de cláusulas de barreira
que promoveriam substancial redução desses partidos, que não passam de
locadores de legenda. Recente pesquisa, efetuada por um canal de televisão,
revelou que 70% dos eleitores escolhem seus candidatos, independentemente do
partido político a que pertençam. É claro que esta absurda multiplicidade de
partidos, sem linha ideológica definida, enfraquece a democracia. Veja, por
exemplo, a história do próprio PT que, ao longo do tempo, perdeu lideranças
importantes, que migraram para outros partidos e abriu suas portas a pessoas de
pouco (para não dizer nenhum) estofo moral. O PT, que tinha um projeto de governo,
trocou-o por um projeto de se perpetuar no Poder e, para isso, foi obrigado a
fazer alianças espúrias e avançar sobre recursos públicos, porque o fundamental
era vencer, não importando os meios utilizados. Quando me insurjo contra o PT –
onde, inclusive, tenho gratos amigos – é exatamente pelo mal que ele fez à
democracia, desmoralizando suas instituições. Comportamento idêntico
identificamos no PMDB que, nem de longe, lembra aquele MDB aguerrido, de
Ulisses e Tancredo, transformando-se num grupo de fisiologistas, a se venderem
por cargos, dos quais possam tirar vantagem material. Alguém, com um mínimo de
coerência, poderia definir, hoje, qual o perfil ideológico do PT, do PMDB e de
tantos outros? Se quisermos visitar o passado, na base esquerda/direita, que
partido se situaria ali ou aqui? Misturou geral, porque todos só têm um projeto
de poder e não um projeto de governo. Não sou apaixonado pela democracia,
porque parte ela da premissa falsa que todos são iguais. Todavia, por pior que
ela seja, não surgiu nada melhor. Então, porque não mitigar seus efeitos
colaterais, como fazem os países desenvolvidos? A verdade é que a degenerencia
da democracia vem empurrando o Brasil para trás. A nossa segurança pública é
péssima, como péssimos são a educação e a saúde públicas, malgrado os
falaciosos índices oficiais. Estudantes mal formados geram profissionais mal
qualificados e é lamentável que, com o século 21 em andamento, o Brasil importe
mão-de-obra técnica. Nossos centros de pesquisas estão abandonados e sobrevivem
graças a alguns abnegados. A principal Universidade do Brasil – a USP – está,
literalmente, quebrada, com seu corpo docente “rachado”. Suas unidades, que melhor funcionam, a Faculdade de
Direito e a de Medicina são absolutamente autônomas, distantes, até
fisicamente, da Cidade Universitária. É claro que todo este quadro negro não é
culpa apenas do PT, mas de todos os governos civis, pós militares. A diferença
é que estes, até por se saberem provisórios, tinham um projeto de governo,
enquanto os civis, que os sucederam, tinham apenas um projeto de poder. Collor,
talvez, tenha sido o que tivesse um bom projeto de governo que acabou
dinamitado por seu projeto pessoal. Vivemos momentos de sobressaltos políticos
e econômicos e às vésperas de um novo mandato, a Presidente eleita limitou-se a
se curvar ao mercado, nomeando ministros a ele palatáveis e tentar salvar a
própria pele, livrando-se da irresponsabilidade fiscal. Mas, quem salvará o
Brasil? Tratemos de encontrar a resposta para não sermos devorados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário