sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

A Ceia de Natal (ou o Anel que caiu do céu)
Para desespero de Luiz Claudio, outra vez chegara o natal e, com ele, a infalível ceia na mansão dos pais de Maria Clara, com direito à distribuição de presentes. À meia-noite, cumprindo um ritual que vinha de gerações, o “velho” simplesmente bateria palmas, convocando todos à mesa. Como sempre, com a empáfia dos que têm a certeza que tudo podem, ele abriria o jantar com um brinde ao sucesso conquistado naquele ano, elogiando cada um dos genros e, quando chegasse em Luiz Claudio, repetiria a mesma frase: “a nosso Luiz Claudio, que ainda há de nos surpreender.” Todos rirão, menos, por certo, Maria Clara que, de soslaio, o olhará, com indisfarçável desprezo. Dos quatro genros, Luiz Claudio fora o único que não aceitara trabalhar na Construtora do “velho”, participar das “maracutaias” que enriqueceram a todos. Era engenheiro da Prefeitura e vivia de seu ridículo salário. Maria Clara fora recíproca paixão instantânea, que esmaeceu com o tempo e as dificuldades financeiras – “eu me humilho perante minhas irmãs, com estes vestidos de brechó e jóias de fantasia baratas.” A duras penas, comprara aquele  minúsculo apartamento, próximo ao aeroporto de Congonhas, barulho ensurdecedor, avião pousando e decolando. O “velho” lá estivera por uma única vez e não poupou o comentário: - “nossa, Maria Clara, seu apartamento é menor do que a lavanderia de minha casa.” Luiz Claudio engoliu a humilhação, mas jamais se submeteria a aceitar qualquer ajuda do “velho”, porque sabia ser alto o preço a pagar. Mas chegara mais uma noite de natal e ele, com muito esforço, somente conseguira aquela pulseira de ouro, comprada em intermináveis prestações. Seria o presente de Maria Clara, que o receberia com indisfarçável sorriso de decepção. Luiz Claudio estava perdido nestas divagações sombrias, quando enorme estrondo, bem acima de sua cabeça, quase o jogou da cadeira, onde apoiava os pés, para calçar as meias. Correu à janela, a tempo de ver pedaços de corpos cortarem o espaço, a sua frente, qual estrela cadente. O avião, de médio porte, explodira, vomitando seus passageiros, espaço afora. Luiz Claudio vestiu a primeira calça e a primeira camisa, que encontrou e, sem esperar pelo elevador, desceu as escadas em direção à calçada. As primeiras viaturas de policia chegavam ao local, tentando afastar a multidão, que se formava entre cabeças, braços, pernas, espalhados, como se fossem brinquedos macabros, em loja de periferia. Um cheiro nauseabundo de corpos queimados impregnava o ar e Luiz Claudio, instintivamente, levou a mão ao bolso, onde sempre levava o lenço, levemente umedecido de seu perfume preferido, “pacco rabane”.
De repente, quase debaixo de seu pé, viu ele um pedaço de braço, onde, de um dos dedos da mão, restava enfiado um magnífico anel de brilhantes, absolutamente intacto. Quase mecanicamente, Luiz Claudio abaixou-se e, tal foi a força empregada para arrancar o anel, que o dedo veio junto. Rapidamente, sem olhar para o lado, colocou o dedo com o anel no bolso e voltou para o apartamento. Encontrou Maria Clara, em pranto convulso. Procurou acalmá-la, que, por certo, não haveria ninguém conhecido no vôo e que era melhor se apressarem, porque ela sabia como o “velho” se irritava com atrasos. Foi ao banheiro e, usando sabonete, conseguiu tirar o anel do dedo anônimo, que jogou pela janela, para se juntar aos outros pedaços de corpos. Limpou, cuidadosamente o anel, inclusive lustrando-o com flanela, guardou-o em uma minúscula caixa, que encontrou no armário, tomou banho e se vestiu com esmero. Pegou-se cantando “I left my hart in San Francisco”, o que surpreendeu Maria Clara: - “nossa, Luiz Claudio, com tanta desgraça em nossa porta e você cantando?” Ele a olhou, com a indiferença de tantos anos, mas não deixou de notar que ainda era mulher bonita, seios firmes e coxas torneadas, malgrado já estar chegando aos 50 e as dificuldades cotidianas. Felizmente, a garagem dava para a rua atrás do prédio e puderam sair, sem maiores dificuldades. A casa do “velho” ocupava todo um quarteirão do Jardim Europa e Luiz Claudio estacionou seu humilde e ancestral “Peugeot”, atrás do BMW de Maria Eduarda, sua cunhada. Ali, naquele local, começava sua humilhação: “puxa, Luiz Claudio, você podia, pelo menos ter mandado lavar esta lata velha! E precisava parar logo atrás do carro da minha Irma?” Apalpando a caixinha, que trazia no bolso, ele apenas sorriu e, gentilmente, tomou Maria Clara pelas mãos, conduzindo-a para dentro do casarão. A chegada de ambos provocou enorme alarido, todos querendo saber do acidente, àquela hora, amplamente divulgado pela TV. Até o “velho” que sempre o tratara com desprezo, rendeu-lhe homenagens, como se ele fosse o autor da explosão. Alguns uísques depois, foi servida a ceia. Chegara o grande momento e o coração de Luiz Claudio quase saltava pela boca. Antes que o “velho” levantasse a taça para o brinde, que abria o jantar, Luiz Claudio, para espanto de todos, levantou-se da cadeira e “roubou” a palavra: - “nesta noite, com perdão de meu estimado sogro, quero fazer um brinde especial a Maria Clara, esta maravilhosa companheira de uma vida inteira, jóia rara a quem ofereço jóia menos valiosa.” E retirou a caixinha do bolso, abrindo-a, o anel de brilhantes a faiscar. Maria Clara contemplou-o, fascinada e o anel passou de mão em mão, sempre arrancando expressões, entre espanto e admiração. Fernando, marido de Maria Eduarda e que era “expert” no assunto, deu o laudo definitivo: - “são brilhantes da Antuérpia, os mais raros e mais caros do mundo. Deve ter custado uma fortuna, não é, Luiz Claudio?” Este apenas sorriu e, enigmaticamente exclamou: “é apenas um anel que caiu do céu

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