Ela se chamava Zuleika, assim com “K”, que o pai era chegado a estrangeirismos. Fora mulher atraente,
corpo cheio, no limite de gorda e assim se casou com Olavo, quase 20 anos
atrás. Optaram por não ter filhos, aliás, Olavo optou, que não tinha paciência
com crianças, correndo pela sala e, alem do mais, era responsabilidade para a
qual não se julgava preparado. Casaram-se na Igreja do bairro, com direito a
bolo e champanhe nacional, servidos na sacristia e foram passar a lua de mel na
Praia Grande, apartamento emprestado pelo primo dele. Zuleika era recepcionista
em consultório médico e Olavo era funcionário público. Grana curta, mas vida
regrada: uma vez por mês, cineminha e, depois, pizza, em cantina do Bixiga.
Transavam, às quartas feiras, se o Corintians ganhasse e aos sábados, se não
tivesse muito frio. Uma vez por ano,
fazendo coincidir as férias, iam com o primo e família (marido, mulher e dois
filhos) passar uns dias na Praia Grande, desfrutar os prazeres do verão
e comer o “pastel da Sônia”, o melhor
do litoral, apesar da fila de uma hora. A vida de casado seguiu, naquele
mesmismo, Zuleika engordando e Olavo rareando os cabelos. As transas passaram a
ser mensais, aquele “papai-mamãe”,
rápido e sem variação, apenas para cumprir o “debitum conjugale” e que foi cada
vez mais se espaçando, até chegar apenas como decorrência de datas
comemorativas: aniversário, dele ou dela, dia do casamento e réveillon, a
depender do teor etílico dele.
Num final de dia, ônibus lotado, Zuleika, de pé, notou que
alguma “coisa” comprimia sua bunda.
Identificou a “coisa”, pensou em
gritar, armar um barraco, botar o safado prá fora, arrastá-lo à uma
Delegacia. Mas ela era tímida demais
para qualquer iniciativa. Consumiu-se em indignação, sem espaço, no ônibus para
se livrar da “coisa”, cada vez mais
incomodantemente presente. Em ânsias, chegou a seu ponto de descida,
praticamente atirando-se do ônibus, buscando ar. Mas não contava que o dono da
“coisa” a seguiria. Chegou-se, gentil, convidando-a para aperitivo, ali, no
bar da esquina. Ela, irritada, fulminou-o com o olhar, que era casada, fiel ao marido, que iria
gritar, chamar a polícia. Calmamente, ele se desculpou, não queria incomodar,
era do bem. Antes de se retirar, entregou-lhe um cartão de visita, em gesto
mecânico, atirado dentro da bolsa. Chegou em casa esbaforida, sorte Olavo não
estar. Debaixo do chuveiro, ainda remoendo o acontecido, acalmou-se e foi,
então, que concebeu o plano. No dia seguinte, antes do almoço, ligou para o
dono da “coisa”, Robério era seu
nome. Voz trêmula, falou que tinha simpatizado com ele, que se o convite para o
aperitivo ainda estivesse de pé, ela topava. Como ele também trabalhava na
região da Paulista, encontraram-se no
ponto de ônibus, ao final do dia. Robério, cheio de “milongas” foi logo dando
beijinhos no rosto, que melhor ficar por ali mesmo, no bar da esquina da
Joaquim Eugenio de Lima, chopp tirado na hora. Cadeiras coladas, Robério
conversava, lábios colados ao pescoço de Zuleika, balbuciava pequenas sacanagens,
enquanto percorria-lhe as coxas com as mãos espalmadas. Ela, naquele momento,
apertava os lábios e fechava os olhos, como se, assim, pudesse apagar a cena
vivida. Robério insistia que ela pegasse na “coisa” e ela refugava, a dizer que mal se conheciam. Para acalmá-lo
– e até como parte do plano – concordou em irem, no dia seguinte, ao hotel, lá
pelos lados da Liberdade, que, segundo ele, recebia casais para encontros
rápidos. E foram. Zuleika avisou que faria hora extra no consultório, chegaria
tarde e Olavo, com a apatia de sempre, apenas resmungou um tudo bem. E lá
estavam eles, Robério e Zuleika, naquele motel, camuflado em hotel, prédio de 3
andares, com corredores escuros, casais se cruzando, cabeças baixas, querendo esconder
suas identidades. Mal entraram no quarto, Robério abraçou-a, arrastando-a para
a cama, ela pedindo calma, que pedisse bebida, para relaxar, ainda era
cedo e outras enrolações. Robério pediu
vinho branco gelado, de nome estranho e excessivamente doce. Enquanto ele foi
ao banheiro, ela misturou na taça, por ele usada, 06 comprimidos esmagados de
“dormonid”, que retirara da gaveta de amostra grátis de seu chefe. Robério,
retornou, já nu e pronto para a “batalha”,
dando profundo gole na taça “batizada”.
Foi a vez dela pedir um tempo para ir o banheiro, a pretexto de tomar uma
chuveirada.Demorou tempo suficiente para que a droga fizesse efeito. De volta
ao quarto, Robério, membro flácido, dormia, profundamente. Era hora de executar
o plano. Tirou da bolsa um bisturi e, com calma e precisão, decepou a “coisa”. Encerrada a missão, lavou as
mãos, encheu a taça de vinho e brindou “todas
as mulheres molestadas”.
Tarde da noite, Olavo estranhou que Zuleika, corpo em brasa,
chamava para o amor... o mais intenso dos últimos tempos.
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