Segunda-feira, 30 de abril, saio para o escritório. Camisa
esporte, calça jeans e sapatênis. Rodolfo, meu atualizado pastor alemão,
olha-me, repleto de curiosidade: “onde
você vai, nestes trajes?”, pergunta ele. Respondo que vou trabalhar e a
roupa decorre do fato de o Tribunal não funcionar, como de resto todas as
repartições públicas. Mais intrigado quer ele saber porque, já que estamos em
dia útil. Esclareço que, no Brasil, virou costume O Poder Judiciário não
trabalhar em dias “imprensados” entre
o fim de semana e o feriado. Não só não o convenço, mas crio clima de
indignação: “mas os Ministros do Supremo
não vivem reclamando que os processos se arrastam pelo excesso de recursos?”
– “Pois é, Rodolfo, eles culpam a nós,
advogados, porque usamos os meios que a lei nos oferece, esquecidos do próprio
rabo”. Rodolfo sai resmungando, desejando-me, sem a habitual euforia, bom
dia. Retorno, na boca da noite, e o encontro furibundo, estendendo-me o jornal do dia: “você sabia que o governo está concedendo
incentivo fiscal à indústria automobilística, formada, exclusivamente, por
multinacionais e que vendem o carro mais caro do mundo, enquanto o ensino
público está uma lástima, a saúde pública está uma lástima?” É claro que eu
sabia, mas fingi indignação para não exacerbar os ânimos, afinal, por esta ou
aquela razão, Rodolfo não tivera bom dia. O feriado seguiu tranquilo: fomos ao
parque, tomamos água de coco, ele, a meu lado, atento, enquanto passava os
olhos na revista “Dinheiro”, comprada
apenas por causa da entrevista – excelente, como de hábito – de Delfim Netto.
Rodolfo, que a leu comigo, entusiasmado, quis saber como chegou ele, absurdamente lúcido,
absurdamente atualizado e influente aos 90 anos. Respondo-lhe que, além de
ungido por Deus, Delfim foi guerreiro, enfrentando adversidades, até mesmo
dentro do governo dos quais participou. Cultura geral e específica que o
fizeram admirado e consultado, à direita
e à esquerda. Subitamente, Rodolfo, passando os olhos em outra página da
revista, rosnou ameaçador, ao ler que os bancos, que obtiveram lucro superior a
0,4 bilhões, no primeiro trimestre, irão
entrar no mercado de pedágios. – “Vocês
podem se preparar – observou ele – para pedágios
caros e serviços ruins. E o tal do CADE vai permitir isto?” Respondo-lhe que
as instituições financeiras é que mandam no país e, para fortalecer esta
malfadada lógica, leio, na mesma Revista, comentário de executivo do setor de
cartão de crédito, sobre CPI instaurada para apurar os juros abusivos, cobrados
pelas operadoras: “não vai dar em nada”. Subi para almoçar e assistir ao jogo Bayern x
Real Madri (meteram a mão no time alemão) e deixar o dia inútil correr,
preguiçosamente, imaginando que as contrariedades do Rodolfo tinham terminado.
Qual o que! Ao levar-lhe a ração noturna, encontro-o olhos marejados, por causa
do incêndio, no edifício ocupado por “sem
teto”. – “Veja você – disse-me ele,
com voz entrecortada por choro – como essas pessoas e tantas outras, podem morar em prédios sem a
menor segurança, diante dos olhos de um irresponsável poder público, na maior
cidade da América Latina! E como pode, o “Movimento Sem Teto”, que se diz
social, cobrar aluguel desses desvalidos? Que
país é este?” Sem resposta, atingido pela pergunta, fui deitar. Afinal, que
país é este?
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