quarta-feira, 2 de maio de 2018

Rodolfo, eu e o feriado prolongado


Segunda-feira, 30 de abril, saio para o escritório. Camisa esporte, calça jeans e sapatênis. Rodolfo, meu atualizado pastor alemão, olha-me, repleto de curiosidade: “onde você vai, nestes trajes?”, pergunta ele. Respondo que vou trabalhar e a roupa decorre do fato de o Tribunal não funcionar, como de resto todas as repartições públicas. Mais intrigado quer ele saber porque, já que estamos em dia útil. Esclareço que, no Brasil, virou costume O Poder Judiciário não trabalhar em dias “imprensados” entre o fim de semana e o feriado. Não só não o convenço, mas crio clima de indignação: “mas os Ministros do Supremo não vivem reclamando que os processos se arrastam pelo excesso de recursos?” – “Pois é, Rodolfo, eles culpam a nós, advogados, porque usamos os meios que a lei nos oferece, esquecidos do próprio rabo”. Rodolfo sai resmungando, desejando-me, sem a habitual euforia, bom dia. Retorno, na boca da noite, e o encontro  furibundo, estendendo-me o jornal do dia: “você sabia que o governo está concedendo incentivo fiscal à indústria automobilística, formada, exclusivamente, por multinacionais e que vendem o carro mais caro do mundo, enquanto o ensino público está uma lástima, a saúde pública está uma lástima?” É claro que eu sabia, mas fingi indignação para não exacerbar os ânimos, afinal, por esta ou aquela razão, Rodolfo não tivera bom dia. O feriado seguiu tranquilo: fomos ao parque, tomamos água de coco, ele, a meu lado, atento, enquanto passava os olhos na revista “Dinheiro”, comprada apenas por causa da entrevista – excelente, como de hábito – de Delfim Netto. Rodolfo, que a leu comigo, entusiasmado, quis  saber como chegou ele, absurdamente lúcido, absurdamente atualizado e influente aos 90 anos. Respondo-lhe que, além de ungido por Deus, Delfim foi guerreiro, enfrentando adversidades, até mesmo dentro do governo dos quais participou. Cultura geral e específica que o fizeram admirado  e consultado, à direita e à esquerda. Subitamente, Rodolfo, passando os olhos em outra página da revista, rosnou ameaçador, ao ler que os bancos, que obtiveram lucro superior a 0,4  bilhões, no primeiro trimestre, irão entrar no mercado de pedágios. – “Vocês podem  se preparar – observou ele – para pedágios caros e serviços ruins. E o tal do CADE vai permitir isto?” Respondo-lhe que as instituições financeiras é que mandam no país e, para fortalecer esta malfadada lógica, leio, na mesma Revista, comentário de executivo do setor de cartão de crédito, sobre CPI instaurada para apurar os juros abusivos, cobrados pelas operadoras:  não vai dar em nada”. Subi para almoçar e assistir ao jogo Bayern x Real Madri (meteram a mão no time alemão) e deixar o dia inútil correr, preguiçosamente, imaginando que as contrariedades do Rodolfo tinham terminado. Qual o que! Ao levar-lhe a ração noturna, encontro-o olhos marejados, por causa do incêndio, no edifício ocupado por “sem teto”. – “Veja você – disse-me ele, com voz entrecortada por choro – como essas pessoas  e tantas outras, podem morar em prédios sem a menor segurança, diante dos olhos de um irresponsável poder público, na maior cidade da América Latina! E como pode, o “Movimento Sem Teto”, que se diz social, cobrar aluguel desses desvalidos?     Que país é este?” Sem resposta, atingido pela pergunta, fui deitar. Afinal, que país é este?

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