segunda-feira, 10 de abril de 2017

A nova lei da terceirização: meninos, eu vi!



Surpreendo Rodolfo, meu politizado pastor alemão, fuçando meu “arquivo morto”, instalado em um dos quartos da edícula de minha casa e que, também, serve de “residência” para Romeu, Clóvis e Olavo, cachorros-gente, que guarnecem o quintal dos fundos. Os tais arquivos, pendurados em armários, ocupam 03 paredes e, por diversas vezes, decidi-me por incinerá-los, já que se tratam de papéis longevos, 10 anos ou mais, referentes a casos definitivamente concluídos. Mas, entre a vontade e o ato de fazer, permeia a falta de disposição... e a incineração vai sendo adiada. E lá vem Rodolfo, trazendo nas patas, grossa pasta, etiqueta colada, com o título “projeto de terceirização”. Rodolfo, sempre atualizado com as reformas do  governo Temer, quis saber o que tinha eu a ver com tão tormentoso tema. Para explicar, tive que voar no tempo: lá pelos anos 90 era eu consultor jurídico da “Associação Brasileira das Empresas de Trabalho Temporário”, que tinha como Presidente Luiz Pimenta de Castro (onde anda você, querido amigo?), entidade umbilicalmente ligada à “Associação Brasileira de Terceirização”, presidida por João Renato de Vasconcelos Pinheiro, este, honrando-me com sua amizade até os dias de hoje. Pois esses dois presidentes, relegando a plano secundário os interesses de suas empresas,  unidos a mim e mais dois ou três abnegados,  elaboramos o primeiro projeto de terceirização, que ouso chamar de “projeto-mãe da terceirização”. Foram incontáveis idas a Brasília, batendo à porta de deputados e senadores, tentando viabilizar o projeto, que disciplinava relevante atividade econômica, que existia de fato, mas não de direito, apesar de responder por mais de 40% dos empregos gerados. Em um primeiro momento, o repudio foi total. Lembro-me de que, à época, presidia a Comissão do Trabalho da Câmara Federal, o deputado petista, Chico Vigilante, que não só nos recebeu com 04 pedras nas mãos, mas deixou claro que, enquanto ele presidisse aquela comissão, o projeto não sairia do papel. Na legislatura seguinte, a Comissão do Trabalho passou a ser presidida pelo Deputado Jair Meneguelli, fundador do PT e da CUT, mas, com mentalidade aberta, entendeu que atividade econômica, de tamanha relevância, não podia sobreviver, sem ordenamento jurídico próprio e se transformou em “parceiro” que, sem abrir mão de  suas convicções ideológicas, ajudou-nos a dar vida ao projeto, depois de inúmeras alterações. O “nosso” projeto, modéstia à parte era bom: preservava os interesses do trabalhador efetivo da empresa, vez que limitava a terceirização à “atividade-meio” da empresa contratante e fixava em subsidiária a responsabilidade desta, na hipótese de inadimplemento, pelas empresas de terceirização, de suas obrigações financeiras, inclusive tributárias, em relação ao trabalhador terceirizado. Essas questões sempre foram o foco central do projeto, sobre as quais foram travadas prolongados debates. Finalmente, o projeto venceu suas barreiras iniciais e seguiu para o Senado. Aí advieram dois infortúnios: Jair Meneguelli afastou-se da vida legislativa e o projeto foi “tomado” pela CNI – Confederação Nacional da Indústria que retornou à equívoca idéia de se estender a terceirização à “atividade-fim” da empresa contratante de serviços terceirizados. A experiência, acumulada em cerca de 20 anos, atuando como consultor jurídico de entidade patronal de empresas desse segmento, dá-me embasamento para afirmar que a terceirização, na “atividade-fim” foi verdadeiro “tiro no pé” do projeto, agora convertido em lei. Em primeiro lugar, equivocam-se os que sustentam que a terceirização reduz custo diretos. A legislação trabalhista estabelece, como corolário do princípio constitucional da isonomia, que  para trabalhos iguais, salários iguais”. E, dentro do conceito de “salário”, compreendem-se os benefícios concedidos ao trabalhador, por força de acordo ou convenção coletiva. Na época da elaboração do projeto, defendi a regra que o trabalhador terceirizado deveria se submeter aos mesmos direitos e obrigações, inseridos na convenção coletiva do trabalhador celetista, da respectiva categoria. Fui voto vencido sob dois argumentos: um forte, decorrente do fato de que díspares eram as atividades por ambos exercidas; outro frágil, que era importante prestigiar o sindicato laboral, que surgia, de diálogo “mais fácil”. Com a extensão da terceirização à “atividade-fim”, ouso dizer que aqueles meus argumentos se fortalecem, vez que haverá identidade de missão laboral, a exigir identidade de direitos e, por outro lado, tenho fundadas dúvidas se o sindicato, que ora representa os trabalhadores terceirizados, terá força política para enfrentar os sindicatos dos celetistas, em cujas empresas os terceirizados irão trabalhar. Outra questão, de cunho subjetivo, que muito ouvi, de empresários, naqueles 20 anos de andança: que o vínculo do trabalhador terceirizado com a empresa de terceirização, restringia seu comprometimento com a empresa, tomadora de seus serviços, fazendo-o sentir uma espécie de trabalhador de “segunda classe”. A meu sentir, decorrente da longa militância, na justiça do trabalho, como advogado de empresas de terceirização, será exatamente esse segmento do Poder Judiciário que irá frustrar a aplicação da lei da terceirização, vez que os juízes, que lá trabalham, são radicalmente contra tal forma de contratação. Comportam-se como reis, dotados de poder divino. Certa feita, um deles, após ter eu invocado o Código de Processo Civil, com a empáfia própria dos investidos do poder absoluto, observou:  “doutor, aqui, o Código que aplico é o meu”. Saí da sala e do prédio, para nunca mais voltar e contemplo, com suprema piedade, os advogados que, representando reclamado, advogam na justiça do trabalho.
De qualquer maneira, saber que a “lei da terceirização” nasceu, cerca de 30 anos depois de sua concepção, causa-me orgulho, por ter participado de sua “gênese”, com abnegados e sonhadores empresários como os já nominados João Renato e Luiz Pimenta.
Mas, que “nosso projeto” era melhor, isto era!

Nenhum comentário:

Postar um comentário