Surpreendo Rodolfo, meu politizado pastor alemão, fuçando meu
“arquivo morto”, instalado em um dos
quartos da edícula de minha casa e que, também, serve de “residência” para Romeu, Clóvis e Olavo, cachorros-gente, que
guarnecem o quintal dos fundos. Os tais arquivos, pendurados em armários,
ocupam 03 paredes e, por diversas vezes, decidi-me por incinerá-los, já que se
tratam de papéis longevos, 10 anos ou mais, referentes a casos definitivamente
concluídos. Mas, entre a vontade e o ato de fazer, permeia a falta de
disposição... e a incineração vai sendo adiada. E lá vem Rodolfo, trazendo nas
patas, grossa pasta, etiqueta colada, com o título “projeto de terceirização”. Rodolfo, sempre atualizado com as
reformas do governo Temer, quis saber o
que tinha eu a ver com tão tormentoso tema. Para explicar, tive que voar no
tempo: lá pelos anos 90 era eu consultor jurídico da “Associação Brasileira das Empresas de Trabalho Temporário”, que
tinha como Presidente Luiz Pimenta de Castro (onde anda você, querido amigo?),
entidade umbilicalmente ligada à “Associação
Brasileira de Terceirização”, presidida por João Renato de Vasconcelos
Pinheiro, este, honrando-me com sua amizade até os dias de hoje. Pois esses
dois presidentes, relegando a plano secundário os interesses de suas
empresas, unidos a mim e mais dois ou
três abnegados, elaboramos o primeiro
projeto de terceirização, que ouso chamar de “projeto-mãe da terceirização”. Foram incontáveis idas a Brasília,
batendo à porta de deputados e senadores, tentando viabilizar o projeto, que
disciplinava relevante atividade econômica, que existia de fato, mas não de
direito, apesar de responder por mais de 40% dos empregos gerados. Em um primeiro
momento, o repudio foi total. Lembro-me de que, à época, presidia a Comissão do
Trabalho da Câmara Federal, o deputado petista, Chico Vigilante, que não só nos
recebeu com 04 pedras nas mãos, mas deixou claro que, enquanto ele presidisse
aquela comissão, o projeto não sairia do papel. Na legislatura seguinte, a
Comissão do Trabalho passou a ser presidida pelo Deputado Jair Meneguelli,
fundador do PT e da CUT, mas, com mentalidade aberta, entendeu que atividade
econômica, de tamanha relevância, não podia sobreviver, sem ordenamento
jurídico próprio e se transformou em “parceiro”
que, sem abrir mão de suas convicções
ideológicas, ajudou-nos a dar vida ao projeto, depois de inúmeras alterações. O
“nosso” projeto, modéstia à parte era
bom: preservava os interesses do trabalhador efetivo da empresa, vez que
limitava a terceirização à “atividade-meio”
da empresa contratante e fixava em subsidiária a responsabilidade desta, na
hipótese de inadimplemento, pelas empresas de terceirização, de suas obrigações
financeiras, inclusive tributárias, em relação ao trabalhador terceirizado.
Essas questões sempre foram o foco central do projeto, sobre as quais foram
travadas prolongados debates. Finalmente, o projeto venceu suas barreiras
iniciais e seguiu para o Senado. Aí advieram dois infortúnios: Jair Meneguelli
afastou-se da vida legislativa e o projeto foi “tomado” pela CNI – Confederação Nacional da Indústria que retornou
à equívoca idéia de se estender a terceirização à “atividade-fim” da empresa contratante de serviços terceirizados. A
experiência, acumulada em cerca de 20 anos, atuando como consultor jurídico de
entidade patronal de empresas desse segmento, dá-me embasamento para afirmar
que a terceirização, na “atividade-fim”
foi verdadeiro “tiro no pé” do projeto,
agora convertido em lei. Em primeiro lugar, equivocam-se os que sustentam que a
terceirização reduz custo diretos. A legislação trabalhista estabelece, como
corolário do princípio constitucional da isonomia, que “para
trabalhos iguais, salários iguais”. E, dentro do conceito de “salário”, compreendem-se os benefícios
concedidos ao trabalhador, por força de acordo ou convenção coletiva. Na época
da elaboração do projeto, defendi a regra que o trabalhador terceirizado
deveria se submeter aos mesmos direitos e obrigações, inseridos na convenção
coletiva do trabalhador celetista, da respectiva categoria. Fui voto vencido
sob dois argumentos: um forte,
decorrente do fato de que díspares eram as atividades por ambos exercidas; outro frágil, que era importante
prestigiar o sindicato laboral, que surgia, de diálogo “mais fácil”. Com a extensão da terceirização à “atividade-fim”, ouso dizer que aqueles
meus argumentos se fortalecem, vez que haverá identidade de missão laboral, a
exigir identidade de direitos e, por outro lado, tenho fundadas dúvidas se o
sindicato, que ora representa os trabalhadores terceirizados, terá força
política para enfrentar os sindicatos dos celetistas, em cujas empresas os
terceirizados irão trabalhar. Outra questão, de cunho subjetivo, que muito
ouvi, de empresários, naqueles 20 anos de andança: que o vínculo do trabalhador
terceirizado com a empresa de terceirização, restringia seu comprometimento com
a empresa, tomadora de seus serviços, fazendo-o
sentir uma espécie de trabalhador de “segunda
classe”. A meu sentir, decorrente da longa militância, na justiça do
trabalho, como advogado de empresas de terceirização, será exatamente esse
segmento do Poder Judiciário que irá frustrar a aplicação da lei da
terceirização, vez que os juízes, que lá trabalham, são radicalmente contra tal
forma de contratação. Comportam-se como reis, dotados de poder divino. Certa
feita, um deles, após ter eu invocado o Código de Processo Civil, com a empáfia
própria dos investidos do poder absoluto, observou: “doutor,
aqui, o Código que aplico é o meu”. Saí da sala e do prédio, para nunca
mais voltar e contemplo, com suprema piedade, os advogados que, representando reclamado,
advogam na justiça do trabalho.
De qualquer maneira, saber que a “lei da terceirização” nasceu, cerca de 30 anos depois de sua
concepção, causa-me orgulho, por ter participado de sua “gênese”, com abnegados e sonhadores empresários como os já
nominados João Renato e Luiz Pimenta.
Mas, que “nosso projeto”
era melhor, isto era!
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