Cheguei em casa, noite já instalada, extremamente cansado.
Afinal, viera direto de Arraial D’Ajuda para o escritório e já encontrara
tremendo abacaxi para descascar. Os poucos dias de paz foram rapidamente
esquecidos. Mas, estava em casa. Pediria desculpas ao Rodolfo e a Nara e não os
levaria ao parque, como de hábito. A garoa fina, que ia e vinha, como
passageiro indeciso, seria boa desculpa. Mas a alegria, com que fui recebido,
fêz-me ver que seria injusto negar-lhes o passeio. Roupa trocada, saímos, eu
Nara e Rodolfo, meu politizado pastor alemão. Este mostrava-se claramente
contrafeito e, antes de completarmos a primeira volta, arrastou-me para um
banco, afastado da pista. Era óbvio que alguma preocupação o torturava. Estaria
doente? Nara o recusara, em seu, dela, cio?
Fui direto ao ponto:
- ‘’Tudo bem com você, Rodolfo? Sei que não está, abra o
jogo, afinal, somos, praticamente, pai e filho’’.
- ‘’é claro que não está tudo bem! Prendem dois
ex-governadores e você parece que ainda está com a cabeça na praia, onde se
escondeu e me deixa sem saber o que pensar. Afinal, você é a única pessoa com
quem converso.’’
- ‘’primeiro, não fui me esconder, mas buscar tranqüilidade
para reduzir, em 50 páginas, o livro, que acabei de escrever. Ao final, com
muito esforço, consegui reduzir 10, jogando fora adjetivos e artigos, como
recomendava meu saudoso professor de ‘’Teoria da Literatura’’, Antonio Candido.
Segundo, a prisão do Garotinho não me incomodou, mas do Sergio Cabral me trouxe
tristeza. Fui quase-amigo do pai dele, boêmio de boa cepa, profundo conhecedor
da música popular brasileira. Juntos, freqüentamos o ‘’The Flag’’, casa noturna
que ficava em Copacabana, se não me engano, na Xavier da Silveira, reduto da
‘’esquerda festiva’’, que combatia apenas no campo das idéias, combates regados
a ‘’Buchannas’’, uísque introduzido no mercado pela turma do ‘’Pasquim’’. Mas
essa é outra historia, que qualquer dia conto. Agora, Sergio, o pai, homem
integro, deve estar arrasado com a prisão do filho, envolvido em tantas
maracutaias’’.
- ‘’mas você não acha essas prisões ruins para a
democracia?’’
- ‘’na verdade, meu querido Rodolfo, isto, que existe no
Brasil, não pode ser chamado de democracia. Veja você: quando terminaram os
governos militares e os civis assumiram o poder, o Brasil passou a ser vitima
de sucessivos ‘’assaltantes’’, muitos já presos e, curiosamente, ferrenhos
adversários do regime militar.’’
- ‘’mas nos governos militares não havia corrupção? Você pode
dizer, porque trabalhou neles.’’
- ‘’é verdade! Passei pelo Ministério da Fazenda, com Medici
e Geisel e na Secretaria de Segurança do Rio, nos 2 primeiros anos do governo
Figueiredo. Atuei na Diretoria Administrativa, comprando do clips ao avião, com
orçamento igual ao das maiores cidades do País. Meu patrimônio se resume a
nossa casa e a nossos carros, que são os mais simples da rua. Você, como
testemunha ocular, sabe que saio às 8 da manhã para o escritório e só retorno
com a noite instalada. Não me sinto herói por isto, apenas cumpro minha
obrigação. E eu não sou exceção. O Roberto que era Diretor geral, morreu,
deixando a família com dificuldade e o Waldo, que você conheceu e que mandava
em todo o sistema de transporte do Ministério, foi, várias vezes, Secretario de
Estado, na Paraíba e, hoje, vive de sua aposentadoria. O próprio Delfim,
caminhando para seus gloriosos 89 anos, pode ser encontrado, já as 7 da manhã,
em seu escritório, no Pacaembu, escreve para jornais e revista, participa de
programas de televisão, profere palestras para empresas e entidades de classe.
O Medici deixou o apartamento, que morava, na Rua Julio de Castilho e uma
pequena fazenda, que herdara do pai. O Geisel, deixada a presidência, voltou a
trabalhar e os herdeiros de Figueiredo tiveram que vender o sítio de
Petrópolis, para pagar dívidas, deixadas pelo presidente falecido. Tudo bem
diferente das presidências civis que, à exceção de Itamar Franco, foram
marcadas por seqüenciais atos de improbidade administrativa, com dois
mandatários cassados e um na iminência de. Por tudo isto, meu estimado Rodolfo,
é que digo que a democracia não deu certo no Brasil.’’
Rodolfo abaixa as orelhas, claro sinal de abatimento
psicológico, puxa-me pela guia, em direção à saída do parque.
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