segunda-feira, 28 de novembro de 2016

O passado não pode se encontrar com o presente

Recebo e-mail, prá lá de desaforado, de um Promotor de Justiça, que não tenho o privilegio de conhecer, afirmando que todos aqueles que apoiam o projeto de lei, versando sobre abuso de autoridade, são contra a ‘’lava jato’’, porque estão envolvidos em atos de corrupção. Não vesti a carapuça, primeiro, porque não sou contra a ‘’lava jato’’, muito pelo contrário; segundo, porque, se quando habitava o ‘’andar de cima’’, tendo incontáveis oportunidades, nunca me deixei seduzir, não seria agora, vivendo no rés do chão, que iria fazê-lo. Só quem bate à minha porta, em horas tardias, é o Rodolfo, meu politizado pastor alemão, quando me esqueço de dar-lhe ‘’boa noite’’. Nas dependências da Polícia Federal, lá na ‘’Lapa de baixo’’, entro sempre pela porta da frente, em razão de meu oficio. Quanto a minhas criticas àquela ‘’operação’’, resultam elas de meu inconformismo pelas ‘’pedaladas legais’’, que estão sendo praticadas, em nome da moral e dos bons costumes, mas que colocam em risco o Estado de Direito. A este respeito, sugiro a quem se interessa pelo tema, a leitura do livro ‘’A Outra Historia da Lava Jato’’, do jornalista Paulo Moreira Leite, com passagem pela ‘’Veja’’, ‘’Isto É’’ e ‘’Época’’. Advirto que se trata de jornalista de esquerda, feroz adversário do impedimento da falecida política, Dilma Rousseff e notório simpatizante do lulopetismo, o que significa estarmos, eu e ele, em margens opostas deste rio chamado Brasil. Todavia, como sou despido de preconceitos ideológicos, comungo dos mesmos interesses daqueles que preservam a pratica do bom direito, marca registrada das democracias constitucionais. Como o escritor sugerido, abomino a delação premiada, como vem sendo ela exercitada, seja como meio de prova, seja como instrumento de coação, para a concessão da liberdade. Como o escritor sugerido, abomino o instituto da prisão provisória, temporária ou preventiva, tal como vem sendo decretada, ao arrepio dos pressupostos exigidos pelo Código de Processo Penal. Como o escritor sugerido, abomino a quebra do sigilo do Inquérito Policial, com vazamentos seletivos de informações para a mídia, a linchar, moralmente, como se condenado já o fosse, o mero suspeito. Como o autor sugerido, abomino a pirotecnia do Ministério Público Federal, ao oferecer denuncias. Como o autor sugerido, não consigo entender como Alberto Youssef, Paulo Roberto Costa, Nestor Cerveró, condenados a centenas de anos, cumprem rasteiras penas em suas confortáveis residências, enquanto o Marcelo Odebrecht continua preso, negando-se-lhe o direito constitucional de recorrer em liberdade. Juiz, transformado em herói nacional, faz-nos lembrar Silvio Berlusconi, que emergiu da ‘’operação mãos limpas’’.
Interessante a informação, trazida pelo escritor sugerido, segundo a qual o Juiz, Sergio Moro, em artigo publicado em 2004, sob o titulo ‘’Considerações sobre a Operação Mani Pulitti’’, já deixava clara a necessidade de se deflagrar idêntica operação no Brasil, ao afirmar:
’No Brasil, encontram-se presentes várias das condições necessárias para a realização de uma ação judicial semelhante. Assim como na Itália, a classe política não goza de prestigio junto à população, sendo grande a frustração pela quantidade de promessas não cumpridas após a restauração democrática.’’
Nem de longe a mínima intenção de estabelecer comparações, mas, de repente, sacode-me a historia de um punhado de homens, que, no longínquo ano de 1925, reuniu-se, em uma cervejaria de Munique, chamada ‘’Burgerbraü”, para ouvir um exaltado orador, que falava da vergonha e da humilhação do País, que, por conta de um Tratado ignominioso, retirara 1/3 do território e mais da metade da riqueza nacional, gerando fome e desemprego, sob os inertes olhares da classe política, desacreditada pela população. Três anos depois, aquele eloqüente orador era líder de um partido que já  contava com 60 mil membros. Em 1931, o mesmo entusiasmado orador recebe 11 milhões de votos, na eleição para Presidente da República e, em janeiro de 1933 é nomeado Primeiro Ministro, fazendo editar a ‘’Lei dos Plenos Poderes’’, que modificava a Constituição, suprimindo direitos individuais. Aquele novo herói nacional, guia de um povo descrente e humilhado, restaura a moralidade pública, restaura a dignidade do povo e, apoiado por este mesmo povo, 06 anos após assumir o Poder, em 1939, inicia uma guerra, que iria deixar um saldo de 60 milhões de mortos e iria destruir seu próprio País. Aquele orador inflamado chamava-se Adolf Hitler; seu partido era o ‘’Partido Nacional Socialista’’ e seu País, a Alemanha.
Vivemos era cibernética, onde o tempo não se conta em anos, mas em dias, mas os acontecimentos de hoje, quando, com o apoio do povo, com o incentivo da mídia, o arbítrio solapa o ordenamento jurídico, permitem, mais, estimulam o surgimento de um novo ‘’salvador da pátria’’, que nos conduzirá rumo ao desconhecido.
A história serve, principalmente, para que, olhando os erros e horrores do passado, não os repitamos, no presente. 

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

O acompanhante



Alguém, por amizade ou parentesco, já passou a noite, em quarto de hospital, como acompanhante de pessoa enferma? Estou vivendo essa experiência e tenho algumas considerações a fazer. Em primeiro lugar, gostaria de saber – e estou aberto a esclarecimentos – quem atribuiu ao doente o codinome de ‘’paciente’’. Nada mais impróprio, porque ele – pelo menos o meu – caracteriza-se, com toda razão, pela impaciência. Nada mais angustiante do que ficar retido, em uma cama, conectado a aparelhos, que fazem companhia ao doente, até quando ele vai ao banheiro. E como fica a cabeça do infeliz, vendo a vida, principalmente a sua, correndo lá fora e ele, ali, impotente? Mas, deixemos o (im)paciente de lado e falemos do ‘’acompanhante’’. Via de regra, é ele um leigo, que não tem a menor ideia para que servem aqueles botões e fios, o que o deixa em permanente estado de pânico, se tiver que tomar qualquer iniciativa. E a cama do acompanhante? Pra começo de conversa, não é cama, mas, sim, um raquítico sofá, geralmente de couro falso, que o expulsa a qualquer movimento mais brusco e, a depender de sua estatura, deixa seus pés de fora. Além de o acompanhante dormir de olhos abertos, pois seus sentidos estão no (im)paciente, durante toda a madrugada é um entra e sai de enfermeiros e auxiliares de enfermagem, que, sem qualquer cerimônia, acendem as luzes, suficientes para despertar até defunto. E a comida do acompanhante? Tenho a convicção formada de que nutricionista de hospital tem, geneticamente, aversão à comida, porisso prepara uma ‘’gororoba’’, sem tempero, seguida de gelatina, de sabor não identificado. Se o acompanhante ainda ‘’ganha o pão com o suor do próprio rosto’’, cumprindo a maldição bíblica – como é o caso deste canhestro escriba – no dia seguinte ao ‘’plantão’’, ele chega ao trabalho como se fosse zumbi, lutando para concatenar as ideias, como faço neste momento.

 Acompanhante, um dia você será um! 

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Em jogo, a sobrevivência do Estado de Direito



Nenhum cidadão, que obedeça ao ordenamento jurídico vigente, pode se opor a qualquer investigação – tenha ela o nome que tiver -, cujo objetivo seja apurar a existência de um crime e quem seja seu autor. Todavia, nenhum cidadão pode admitir que qualquer investigação – tenha ela o nome que tiver -, realize-se ao arrepio dos preceitos legais que a regem. O ato de truculência da Juíza, que, contrariando parecer médico, impediu a transferência do ex-Governador, Antony Garotinho, para hospital particular e em condições de submetê-lo ao tratamento cirúrgico, que acabou por se realizar, é demonstração inequívoca de que o projeto-de-lei, que versa sobre ‘’abuso de autoridade’’, deve ser objeto de profunda reflexão. E se Garotinho tivesse falecido, em razão da atitude despótica da Magistrada, seria essa responsabilizada, cível e criminalmente? Nada justifica que juízes e promotores sejam excluídos da prática de ato de abuso de autoridade e sofra as conseqüentes reprimendas. Admitir tal exclusão, seria estuprar a tão decantada cláusula pétrea de nossa Constituição, que declara serem todos iguais, perante a lei. O ‘’clamor das ruas’’, exacerbado pela mídia, não pode servir de suporte para o arbitrio. A operação ‘’lava jato’’, ao lado de seus relevantes serviços, vem atropelando normas expressas do Código de Processo Penal e da própria Constituição Federal. O atual Presidente da Petrobrás, Pedro Parente, informou que a ‘’operação’’ recuperou, para a empresa, 500 milhões de reais que correspondem a 1% do montante, supostamente desviado. Convenhamos que se trata de pífio resultado, se considerarmos que a paralisação das obras, em execução pelas Construtoras envolvidas, já gerou prejuízo para o erário público, da ordem de 5 bilhões de reais, além do desemprego de mais de 1 milhão de trabalhadores. Todavia, a meu modestíssimo juízo, o efeito mais danoso é estender, a outros promotores e magistrados, a anti-jurídica noção de que atos de arbítrio possam ser praticados, em nome do interesse publico. A ‘’quase morte’’ do ex-governador Garotinho, foi semeada em Curitiba e não podemos admitir que, de lá, advenha a ‘’quase morte’’ do ordenamento jurídico brasileiro.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Conversa de começo de noite

Cheguei em casa, noite já instalada, extremamente cansado. Afinal, viera direto de Arraial D’Ajuda para o escritório e já encontrara tremendo abacaxi para descascar. Os poucos dias de paz foram rapidamente esquecidos. Mas, estava em casa. Pediria desculpas ao Rodolfo e a Nara e não os levaria ao parque, como de hábito. A garoa fina, que ia e vinha, como passageiro indeciso, seria boa desculpa. Mas a alegria, com que fui recebido, fêz-me ver que seria injusto negar-lhes o passeio. Roupa trocada, saímos, eu Nara e Rodolfo, meu politizado pastor alemão. Este mostrava-se claramente contrafeito e, antes de completarmos a primeira volta, arrastou-me para um banco, afastado da pista. Era óbvio que alguma preocupação o torturava. Estaria doente? Nara o recusara, em seu, dela, cio?
Fui direto ao ponto:
- ‘’Tudo bem com você, Rodolfo? Sei que não está, abra o jogo, afinal, somos, praticamente, pai e filho’’.
- ‘’é claro que não está tudo bem! Prendem dois ex-governadores e você parece que ainda está com a cabeça na praia, onde se escondeu e me deixa sem saber o que pensar. Afinal, você é a única pessoa com quem converso.’’
- ‘’primeiro, não fui me esconder, mas buscar tranqüilidade para reduzir, em 50 páginas, o livro, que acabei de escrever. Ao final, com muito esforço, consegui reduzir 10, jogando fora adjetivos e artigos, como recomendava meu saudoso professor de ‘’Teoria da Literatura’’, Antonio Candido. Segundo, a prisão do Garotinho não me incomodou, mas do Sergio Cabral me trouxe tristeza. Fui quase-amigo do pai dele, boêmio de boa cepa, profundo conhecedor da música popular brasileira. Juntos, freqüentamos o ‘’The Flag’’, casa noturna que ficava em Copacabana, se não me engano, na Xavier da Silveira, reduto da ‘’esquerda festiva’’, que combatia apenas no campo das idéias, combates regados a ‘’Buchannas’’, uísque introduzido no mercado pela turma do ‘’Pasquim’’. Mas essa é outra historia, que qualquer dia conto. Agora, Sergio, o pai, homem integro, deve estar arrasado com a prisão do filho, envolvido em tantas maracutaias’’.
- ‘’mas você não acha essas prisões ruins para a democracia?’’
- ‘’na verdade, meu querido Rodolfo, isto, que existe no Brasil, não pode ser chamado de democracia. Veja você: quando terminaram os governos militares e os civis assumiram o poder, o Brasil passou a ser vitima de sucessivos ‘’assaltantes’’, muitos já presos e, curiosamente, ferrenhos adversários do regime militar.’’
- ‘’mas nos governos militares não havia corrupção? Você pode dizer, porque trabalhou neles.’’
- ‘’é verdade! Passei pelo Ministério da Fazenda, com Medici e Geisel e na Secretaria de Segurança do Rio, nos 2 primeiros anos do governo Figueiredo. Atuei na Diretoria Administrativa, comprando do clips ao avião, com orçamento igual ao das maiores cidades do País. Meu patrimônio se resume a nossa casa e a nossos carros, que são os mais simples da rua. Você, como testemunha ocular, sabe que saio às 8 da manhã para o escritório e só retorno com a noite instalada. Não me sinto herói por isto, apenas cumpro minha obrigação. E eu não sou exceção. O Roberto que era Diretor geral, morreu, deixando a família com dificuldade e o Waldo, que você conheceu e que mandava em todo o sistema de transporte do Ministério, foi, várias vezes, Secretario de Estado, na Paraíba e, hoje, vive de sua aposentadoria. O próprio Delfim, caminhando para seus gloriosos 89 anos, pode ser encontrado, já as 7 da manhã, em seu escritório, no Pacaembu, escreve para jornais e revista, participa de programas de televisão, profere palestras para empresas e entidades de classe. O Medici deixou o apartamento, que morava, na Rua Julio de Castilho e uma pequena fazenda, que herdara do pai. O Geisel, deixada a presidência, voltou a trabalhar e os herdeiros de Figueiredo tiveram que vender o sítio de Petrópolis, para pagar dívidas, deixadas pelo presidente falecido. Tudo bem diferente das presidências civis que, à exceção de Itamar Franco, foram marcadas por seqüenciais atos de improbidade administrativa, com dois mandatários cassados e um na iminência de. Por tudo isto, meu estimado Rodolfo, é que digo que a democracia não deu certo no Brasil.’’

Rodolfo abaixa as orelhas, claro sinal de abatimento psicológico, puxa-me pela guia, em direção à saída do parque.

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Considerações finais sobre a eleição norte-americana




Quando Luiza Erundina ganhou a eleição para Prefeito de nossa Capital – na verdade, a primeira vitoria petista, de expressão -, encontrei-me com meu ‘’guru’’, então deputado federal e fiz-lhe a obvia pergunta: e agora? Ele, com sua tradicional pouca paciência para os parvos, respondeu-me? – ‘’bobagem! O sistema é mais importante do que as pessoas. Quem tentar fazer a roda girar ao contrário, será cuspido fora.’’ Lembrei-me dessa lição do ‘’mestre do Pacaembu’’, agora, com a eleição do Donald Trump que, na essência, quer priorizar os valores e os interesses do cidadão norte-americano, principalmente daqueles que perderam seus empregos, em razão da fuga das grandes industrias para países, onde o custo da mão-de-obra é significativamente inferior à norte-americana, China e México, à frente. A imprensa estrangeira descreve Trump como o próprio Belzebu, que desceu à terra, para semear toda sorte de desgraças. Nossas revistas, do último fim-de-semana, encostaram no ridículo, noticiando que a eleição de Trump foi ‘’a vitória do atraso’’ e que ‘’ele ameaça pulverizar o legado de Obama e isolar o País.’’ Outra revista afirma, em manchete, que Trump inaugura a ‘’era da incerteza.’’ Pra começo de certeza, qual o ‘’legado de Obama’’? Sua política econômica gerou mais de 01 milhão de desempregados, isto sem falar da ‘’bolha imobiliária’’ de 2008. Sua política externa foi igualmente desastrosa, principalmente na Síria e no Afeganistão, onde se queimaram bilhões de dólares e se perderam centenas de vidas humanas, sem qualquer resultado objetivo. Os tratados comerciais, dos quais os Estados Unidos foram signatários, trouxeram mais vantagens para os outros países e é esta a motivação de Trump para revê-los. A solução para o problema da imigração está sendo reconsiderada até por países, como a Grécia, Itália, Inglaterra, França e Alemanha que, em um primeiro momento, movidos pela ‘’violenta emoção’’, abraçaram e acolheram os imigrantes. Trump quer ver os imigrantes ilegais fora do País, o que, a luz do bom direito, não constitui nenhuma aberração. Todos esses pontos foram ressaltados em sua campanha e foram apoiados por 29 dos 50 Estados Norte-Americanos que, de forma inédita, ainda deram a Trump a maioria na Câmara e no Senado. Chamar Trump de ‘’tresloucado’’ é transferir tal epíteto para os milhões de norte-americanos, o que é, para dizer pouco, rotunda bobagem. Agora, volto à lição de meu ‘’mestre’’. De bobo, Trump não tem nada e seu sucesso empresarial foi construído, em consonância às regras do ‘’sistema’’ vigente, naquele País e, por certo, será em harmonia com esse sistema, que implementará as medidas preconizadas na campanha. Sabe como a roda gira e não terá a pretensão de fazê-la girar ao contrário. 

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Rodolfo, eu e as eleições norte-americanas.



Rodolfo, meu politizado pastor alemão, exige que eu rompa meu período sabático e teça considerações sobre o resultado das eleições norte-americanas. Respondo-lhe que é tarefa desnecessária, vez que, nas últimas 48 horas, as emissoras de televisão – que torceram, até com euforia por Hillary – não falam em outra coisa. Mas ele insiste, afinal nós dois passamos a madrugada do dia 9 acompanhando a marcha das apurações. Rodolfo é republicano, nos Estados Unidos e repudia Obama que, segundo ele, é bom de marketing, mas péssimo gestor público, a cujo governo responsabiliza pela crise de 2008. Rodolfo costuma dizer que os democratas fazem a guerra e os republicanos costuram a paz. Rodolfo tem desprezo pela Hillary, a quem chama de mentirosa e belicista. Conhecendo como sou subserviente a um chamego, ele se aninha, entre minhas pernas, roçando seus pelos nela e procurando, com a cabeça, minhas mãos para um afago. Eu, mendigo de carinho, rendo-me, vou quebrar o silencio, que me impus, mas estabeleço condição irreversível: será a opinião dele que vou transmitir. Ele ainda quer saber porque e eu, para não estender o assunto, sou curto e grosso: já estou de partida, e não vejo como a vitória de Trump possa influir em meu medíocre cotidiano, trabalho-casa. Além do mais, tenho missão muito mais importante: resolver se mato os personagens principais de meu novo livro ou se os deixo viver, torturados pelas lembranças dos terríveis dias vividos. Contrafeito, Rodolfo instala-se, dignamente, a meu lado, faz aquele ar professoral dos entrevistados da ‘’GloboNews’’ e iniciamos o diálogo:
Eu: - ‘’e, então, Rodolfo, a que você atribui a vitória do Trump, contrariando todas as pesquisas?’’
Rodolfo: - ‘’pra começo de conversa, esta história de pesquisa foi pura empulhação da mídia norte-americana, comprometida com a candidatura Hillary, para induzir o eleitorado a votar na democrata. Qualquer imbecil sabe que, em sendo a voto facultativo, a pesquisa perde seu conteúdo cientifico. Mas acabou sendo um tiro no pé, pois adeptos de Trump, decididos a não votar, correram às urnas, fazendo a diferença, a favor dele, principalmente na Flórida e em Ohio, Estados decisivos para a vitória republicana’’.
Eu: - ‘’mas, na campanha, Trump foi um falastrão, atacou as mulheres, as minorias, falou da muralha, a ser construída na fronteira com o México, que vai expulsar imigrantes e, mesmo assim, o homem ganha. Como você explica?’’
Rodolfo: - ‘’você precisa raciocinar com a cabeça do norte-americano. Essas questões, que você falou, não têm qualquer importância. Trump fundamentou sua campanha em 03 pontos essenciais: o protecionismo à industria nacional; a valorização do emprego, contra a ação predatória da mão-de-obra imigrante e o fim da presença dos Estados Unidos, em conflitos, que não lhe dizem respeito. Durante a campanha, Trump apresentou dados, não refutados por Hillary, segundo os quais, durante os 8 anos do governo Obama, cerca de 5 mil norte-americanos, a maioria com menos de 30 anos, morreram em combates, no Oriente Médio. Trump se comprometeu a trazer os soldados americanos, de volta para casa. Você tem idéia como tal afirmação deva ter atingido corações e mentes, especialmente de mães desses soldados? O lema de Trump, segundo o qual cada País que cuide de si, sem envolver os Estados Unidos em suas querelas, pode desagradar o mundo, mas é música suave aos ouvidos do americano. Quanto ao protecionismo industrial, também acho justificável. Veja o que aconteceu no Brasil, onde a industria têxtil praticamente desapareceu, substituída pelo produto chinês, de baixa qualidade que, via de regra, entrou no Brasil de forma clandestina. Em São Paulo, o comércio, principalmente, o eletro-eletrônico é, predominante, dominado por coreanos, muitos clandestinos, produtos e coreanos. Os haitianos, que entraram pela fronteira do norte do País, já ocupam cerca de 20% das vagas da construção civil, sujeitando-se a salários e condições de trabalho inferiores aos brasileiros. É claro que lamentamos a situação deles, mas, e os nossos desempregados, não contam? Foi dentro dessa lógica imbatível que Trump construiu seu discurso de campanha, que agradou o norte-americano, que viu suas industrias fecharem as portas, gerando desemprego, enquanto produtos estrangeiros, principalmente chineses e japoneses inundavam o mercado. Em resumo: Hillary, era a continuidade do mesmo e Trump, mesmo com sua fanfarronice, representava a esperança do novo tempo, tempo dos Estados Unidos para os norte-americanos. E é bom não esquecer os valores morais, que o norte-americano conservador preserva. Afinal, nunca é demais lembrar que os Estados Unidos foram fundados por puritanos ingleses, transportados pelo ‘’Mayflowers’’ e esse ‘’puritanismo’’ subsiste na religião professada por grande parte da população. Na cabeça desse segmento, Trump defende esses valores e Hillary a permissividade.’’

Olho para Rodolfo e não posso deixar de concordar com ele, que se retira, em passos firmes, para beber água e comer um pouco de ração. Como ‘’bônus’’, ofereço-lhe duas coxas de frango, sobras do jantar de ontem.