Imaginava eu, mais de quatro décadas passadas de diuturno
exercício profissional, tantas foram as aberrações jurídicas, com as quais me
deparei, que perdera a capacidade de me indignar. Ledo engano, como dizia
ancestral professor quando, em exame oral, dávamos equivocada resposta a uma
pergunta. Não é que ontem, 15,
experimentei o amargo gosto da decepção por ver o Direito ser pisoteado e a
Justiça ser objeto de escárnio. Mas vamos aos fatos: às 14:30h, participei,
como advogado de defesa, de audiência, onde o Réu, primário, vale dizer, sem
nunca ter sido processado ou condenado anteriormente, menor de 21 anos, com
emprego e residência fixos, encontrava-se preso, desde o mês de janeiro, por tentativa de roubo, praticado por um
colega... com o dedo. Reunia, assim, meu cliente, todos os requisitos para
receber os benefícios da liberdade provisória e, nestas condições, continuar
respondendo ao processo. A audiência foi adiada para final de novembro, porque
a vítima, que reside em outra cidade, não compareceu. Formulei o pedido de
concessão de liberdade provisória e a Juíza – simpática e educada – negou o pedido,
simplesmente afirmando que melhor apreciaria o pedido na próxima audiência.
Assim, aquele jovem, que, até então, nunca entrara numa Delegacia, vai
continuar pelo menos por mais um mês, convivendo com perigosos marginais. Sai
do fórum desolado, desolação desmedida, por ter de dar a notícia à mãe, que a
recebeu em pranto convulso. Do fórum sigo para o Tribunal de Justiça, no centro
velho da cidade, onde encontro um colega, de antigas lidas. A meio a cordial
bate-papo, fico sabendo que o ex-Promotor, que assassinara a esposa grávida,
agora, menos de 03 anos de sua condenação, fora agraciado com o benefício do
regime semi-aberto, isto é, só vai (se é que vai) ao presídio para dormir.
Aquela melancólica dicotomia, a solidificar o entendimento popular de que “cadeia é para os pobres”, carreguei-a
como fardo insuportável, noite adentro, dando-me a quase convicção que está na
hora de arrepiar carreira. É claro que buscarei no Tribunal a reparação da
injustiça, perpetrada contra meu cliente. Mas, quem apagará dos meus ouvidos o
choro convulso daquela mãe que, no próximo domingo, entrará na fila dos
horrores, para visitar seu imberbe filho preso? Enquanto isso, com certeza,
aquela juíza, educada, simpática, estará almoçando, em paz, com seus
familiares. Mas, de onde tirei a idéia de que o Direito é meio para se fazer
Justiça?
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