Biografia só com autorização
Toda esta celeuma, a respeito das “biografias não autorizadas”, não passa de mais um lance de
hipocrisia, como, aliás, quase tudo que acontece neste pobre País. É óbvio que
um dos mais importantes direitos, que a legislação pátria preserva, é o da
privacidade. Ninguém – a não ser os movidos por interesses espúrios – pode
aceitar que sua intimidade seja invadida, principalmente para tirar qualquer
proveito. Via de conseqüência, qualquer biografia impõe a prévia autorização do
biografado, não importando ser ele pessoa pública ou simples anônimo. Não tenho
dúvida de que o projeto de lei, tramitando no Congresso, objetivando
desproteger o direito à privacidade, se aprovado, sucumbirá no Supremo Tribunal
Federal, guardião dos direitos
fundamentais, esculpidos em nossa Constituição. O artista não pode ser
considerado um “homem público”, na
acepção técnica do termo, pelo simples motivo de que não exerce ele uma “função pública”. A manifestação
artística, subjetiva pela sua própria natureza, é colocada à disposição do
público, que a aceita ou não. Chico Buarque, por exemplo, elaborou um conjunto
de obras musicais. Há inúmeras pessoas – e eu me incluo dentre elas – que
apreciam seu trabalho e muitos os há que não apreciam. Zezé de Camargo e
Luciano elaboraram um conjunto de obras musicais. Há inúmeras pessoas que
apreciam seus trabalhos e muitos os há – como eu – que não apreciam. Analisar,
avaliar esses trabalhos é direito de qualquer um, mas apresentar a intimidade
de seus autores, onde e como vivem, seus amores e desamores, suas finanças etc,
só interessa a eles e, assim, tais informações para virem a público, há de
depender sempre da autorização deles. Querer compará-los a um Deputado cuja
intimidade deve ser devassada, já que são eles “representantes do povo” e esse tem o direito de conhecer, em toda
sua plenitude, seus representantes.