SAUDAÇÃO A UM COLEGA RETIRANTE
Foi como se recebesse um soco no
peito. Ligo para um Desembargador, pessoa muito querida pela sua simpatia e
cordialidade, que fora meu colega de turma na Faculdade. Vejo-o, na fotografia
ao lado, no quadro do time de futebol, excelente meio-campo, eficiente e
simples no jogo, como o seria no exercício de sua judicatura. Ligo para marcar
um horário, fazer uma consulta e levar um mimo. Quem me atende, afabilidade
adquirida por contágio, me diz que ele não está, que pode ser encontrado na
segunda-feira, na sala do “decano” que, agora ele o é. “É o que?” – pergunto, quase
gritando. É isto mesmo, doutor fulano agora é o decano. Maleducadamente, desligo
o telefone, ou melhor, deixo-o cair ao colo, sem nem mesmo dizer obrigado. Imobilizado
na cadeira, tenho ímpeto de correr ao dicionário para confirmar o que já sei. Decano
significa o mais velho de um grupo. Não, não pode ser. Ele (olho outro vez para
o retrato na parede), com esse sorriso de menino tímido, o mais velho dentre
seus pares? Claro que se trata de um equívoco, afinal ele estava entre os mais
jovens da minha turma. Como quem, despido de habilidade, manuseia uma granada, puxo,
do fundo da pasta, minha carteira de identidade e... constato a inexorável
verdade: o tempo, este indomável cavalo alado, passou a galope e nos deixou
nesta idade, muito além da terceira, uns, como eu, sem alternativa, ainda
labutando; outros, como ele, prestes a serem expulsos do trabalho, apesar da
exuberância da disposição e da inteligência. Reclino-me na cadeira e o vejo
jogando futebol comigo, discutindo política comigo, a me chamar de “reacionário”
e de “gorila” e eu, provavelmente a chamá-lo de “vendido ao ouro de Moscou”. Bons
tempos, em que se tinha idéias e ideais e se digladiava por eles. Encontrei-o, em
diversos estágios de sua carreira, sempre com aquele jeito tranquilo, até meio
displicente, de fazer banal, coisa tão complexa que é julgar. Nunca ousei
pedir-lhe nada, que ajudasse ou interferisse, em um caso meu. Limitava-me, muito
de quando em vez, a consultá-lo e ele transbordava em gentilezas. Aliás, pedi
uma vez que depusesse em favor de um amigo comum, vítima de grande injustiça. E
ele, sem fazer cerimônia, pendurou sua toga e falou com o coração. Quantos, no lugar
dele, se disporiam a tanto? Não sei, até porque sou meio descrente no ser
humano. Mas ele esteve lá e estará sempre em minha lembrança, em muitas
lembranças, cravado, como na fotografia ao lado. Esqueço a excelência do cargo
e a pompa do nome e sobrenome, coisa de gente que nasceu para ser o que
realmente foi e apenas digo: “Chico, foi muito bom ter vivido o mesmo tempo com
você.” Agora, que “decano” é sacanagem, isto é.
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