sexta-feira, 19 de abril de 2013


SAUDAÇÃO A UM COLEGA RETIRANTE

Foi como se recebesse um soco no peito. Ligo para um Desembargador, pessoa muito querida pela sua simpatia e cordialidade, que fora meu colega de turma na Faculdade. Vejo-o, na fotografia ao lado, no quadro do time de futebol, excelente meio-campo, eficiente e simples no jogo, como o seria no exercício de sua judicatura. Ligo para marcar um horário, fazer uma consulta e levar um mimo. Quem me atende, afabilidade adquirida por contágio, me diz que ele não está, que pode ser encontrado na segunda-feira, na sala do “decano” que, agora ele o é. “É o que?” – pergunto, quase gritando. É isto mesmo, doutor fulano agora é o decano. Maleducadamente, desligo o telefone, ou melhor, deixo-o cair ao colo, sem nem mesmo dizer obrigado. Imobilizado na cadeira, tenho ímpeto de correr ao dicionário para confirmar o que já sei. Decano significa o mais velho de um grupo. Não, não pode ser. Ele (olho outro vez para o retrato na parede), com esse sorriso de menino tímido, o mais velho dentre seus pares? Claro que se trata de um equívoco, afinal ele estava entre os mais jovens da minha turma. Como quem, despido de habilidade, manuseia uma granada, puxo, do fundo da pasta, minha carteira de identidade e... constato a inexorável verdade: o tempo, este indomável cavalo alado, passou a galope e nos deixou nesta idade, muito além da terceira, uns, como eu, sem alternativa, ainda labutando; outros, como ele, prestes a serem expulsos do trabalho, apesar da exuberância da disposição e da inteligência. Reclino-me na cadeira e o vejo jogando futebol comigo, discutindo política comigo, a me chamar de “reacionário” e de “gorila” e eu, provavelmente a chamá-lo de “vendido ao ouro de Moscou”. Bons tempos, em que se tinha idéias e ideais e se digladiava por eles. Encontrei-o, em diversos estágios de sua carreira, sempre com aquele jeito tranquilo, até meio displicente, de fazer banal, coisa tão complexa que é julgar. Nunca ousei pedir-lhe nada, que ajudasse ou interferisse, em um caso meu. Limitava-me, muito de quando em vez, a consultá-lo e ele transbordava em gentilezas. Aliás, pedi uma vez que depusesse em favor de um amigo comum, vítima de grande injustiça. E ele, sem fazer cerimônia, pendurou sua toga e falou com o coração. Quantos, no lugar dele, se disporiam a tanto? Não sei, até porque sou meio descrente no ser humano. Mas ele esteve lá e estará sempre em minha lembrança, em muitas lembranças, cravado, como na fotografia ao lado. Esqueço a excelência do cargo e a pompa do nome e sobrenome, coisa de gente que nasceu para ser o que realmente foi e apenas digo: “Chico, foi muito bom ter vivido o mesmo tempo com você.” Agora, que “decano” é sacanagem, isto é.

Nenhum comentário:

Postar um comentário