Liga-me amigo querido,
convidando-me para um uisque, na boca da noite. Precisa conversa comigo. De
trabalho, não é, já que ele, antigo conhecedor de meus hábitos, sabe que só
trato do tema, em local e horários apropriados, razão que me leva a recusar
almoços com clientes, sobre pretextos, falsos ou verdadeiros. Ando, até,
irritado com meu filho que, nesses eventuais encontros, fica bolinando o
celular, a cata de informações chegadas pela internet. Mas, aceito o convite e
chego ao local marcado à hora marcada. Lá está ele, a um canto, mal vestido,
barba por fazer, com aquele jeito de que muita coisa ia mal. E ia mesmo. Não
queria conversar, queria apenas falar... e falou da tristeza e da melancolia,
pela mulher que, simplesmente, juntou seus pertences, bateu a porta e foi para
nunca mais. Vinha ele de um casamento de pouca duração que, à exceção da filha
amantíssima, só deixou rancores irreparáveis, de ambos os lados.
Depois de muitos anos de solidão, -
apenas mulheres sem nome e sem espírito – apareceu uma, vinte anos mais nova,
em quem investiu toda sua carência afetiva. Eu a conheci: bicho do mato (veio
de distante periferia), não se dava bem com ninguém ligado a ele. A diferença
de idade dificultava o diálogo, mas, segundo ele, o sexo era ótimo e isso,
quando ainda não se chegou aos 50, conta muito. Por várias vezes, ela foi
embora... e voltou. A meu juízo, (contaminado pela péssima avaliação que faço
do ser humano), voltou pelas mordomias recebidas: bom apartamento, o uísque de
12 anos, que ela sorvia, em abundância, os bons restaurantes, essas pequenas
coisas que tornam a vida mais prazerosa. Mas, agora, ela fora, de vez, com o
celular sempre na caixa postal e as loucuras de amor, mandadas pela internet,
deixadas sem resposta. E ali estava ele, na minha frente, falando e eu, em
estudada mudez, apenas escutando. Até que, lá pelo terceiro uísque, ele, mesmo
sabedor de minha rígida formação religiosa, bateu forte:
- “Acho que Deus não quer que
mulher alguma goste de mim.”
Aí eu não me contive:
- “Fulano, deixe Deus fora disto. Se
ele não se imiscuiu no triângulo amoroso “Adão, Eva, cobra”, seres que ele
criou diretamente, você não acha muita pretensão sua que ele saia de seus
divinos afazeres para influir em seus amores e desamores? E tem outra coisa, que
você, na sua idade, já que está invocando Deus, devia saber: não dá para levar
mulher muito a sério, tantas são suas imperfeições. Com elas, o amor, a
dedicação só vai até o ferimento leve. Vá até o “Livro do Genesis”. Deus criou
a luz, no primeiro dia; no segundo, o céu e a terra; no terceiro, separou a
terra das águas e ainda plantou as florestas, de diferentes tamanhos; no
quarto, fez o sol e a lua; no quinto, fez todos os seres vivos; no sexto dia,
provavelmente cansado com tanto trabalho, que tivera, aí ele fez o homem. Veja
que, inicialmente, não planejara fazer a mulher, ideia que só concebeu no último
minuto do segundo tempo. Conta-se que, como matéria-prima, utilizou “uma
costela de Adão”. Poderia ter utilizado a parte do pulmão, que nos permite respirar,
mas, talvez por querer preservar a integridade do aparelho respiratório de
Adão, optou pela costela. Poderia ter utilizado parte do coração, órgão
propulsor do sangue para todo o corpo humano, mas pelo mesmo motivo anterior,
optou pela costela. Poderia ter escolhido parte do cérebro, órgão que comanda
todo o corpo, mas, idem, desistiu. E por que assim agiu Sua Divindade? A mulher
já nos tira o fôlego, a falar desbragadamente, sem lógica, nem nexo, impondo
suas opiniões e julgamentos, que os tem como definitivos. Se assim já o é,
imagine como seria, se nós, homens, só tivéssemos um pulmão? E, suprimida parte de nosso coração,
em que estratosfera iria estacionar nossa pressão arterial, nos momentos em que
a mulher agisse como acabei de mencionar? Quanto a invadir o cérebro do homem,
nem pensar. A mulher já é astuta demais, maquiavélica demais, manipuladora
demais, como iríamos enfrenta-la, ela com um cérebro maior, exatamente o pedaço
do nosso? Porisso, o Todo-Poderoso optou pela costela, apenas uma delas, parte
insignificante do nosso corpo. Agiu assim para, emblematicamente, mostrar-nos
como deveríamos lidar com esse ser estranho, imponderável, inconstante e, acima
de tudo, incompreensível. Apenas uma costela, por cuja falta não podemos nos
deixar abater, transformar, sucumbir. Já que estamos a invocar o “Livro
Sagrado” convido você a viajar comigo até o “Êxodo”, onde se localiza o
“Decálogo”, vulgarmente conhecido como os “Dez mandamentos”, dentre os quais
figura um, onde se determina: “não cobiçarás a casa do teu próximo, não
desejarás a sua (dele) mulher, nem o seu servo, nem o seu boi, nem seu jumento,
nem coisa alguma que pertença a teu
próximo”. Notou a sutileza? Deus que é Deus, onisciente e onipresente, incluiu
a mulher entre as “coisas” do homem (boi, jumento, etc) e nós homens podemos
lamentar e até chorar – choro contido, mas passageiro – a perda de uma “coisa”,
mas que a substituímos logo. Quantos cachorros eu tive – e você conheceu todos
eles – que morreram, sofri na hora e, depois, eu os repus, deles guardando
apenas agradáveis recordações. Com mulher, tem que ser assim também, cara. Foi
embora, por este ou aquele motivo, você sofre, purga, na hora e depois repõe.
Se eu nunca estive apaixonado, destas paixões que dilaceram, alegria e sofrimento
se revezando? Claro, tive e tenho. Pelo Botafogo, paixão que nasceu comigo e
vai morrer comigo, porque, compromisso assumido pelos meus filhos, serei
enterrado com a camisa do “Glorioso”. Agora, mulher, mesmo, “sic transit gloria
mundi”. Ou, como diz o para-choque do caminhão “amor, só de mãe”.
Secamos, eu e meu amigo, a garrafa
de uísque e nos despedimos, fraternalmente. Espero que nosso encontro tenha
trazido algum benefício para ele.
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