O DIA DE FINADOS
Jamais viajo no dia de
finados. Dia de reverenciar meus mortos, principalmente minha mãe, que visito, no
Cemitério do Araçá. Converso com ela, faço minhas preces e depois percorro as alamedas,
olhando os túmulos e calculando o tempo de vida dos que lá estão sepultados, comparando
com meu tempo de vida. Houve um tempo em que eu ganhava de goleada. Hoje, todavia,
satisfaço-me com um empate ou uma honrosa derrota. Pode parecer macabro, mas, pelo
menos para mim, não o é. Percorrer alamedas silenciosas de um cemitério, além da
óbvia tranqüilidade do lugar, coloca-nos diante da transitoriedade da vida e do
exacerbado valor que damos a coisas sem importância real. Simplesmente viver, sem
acumular ressentimentos, voltando nossos olhos para o próximo desafortunado. Passo
por um túmulo de um jurista famoso que, inclusive, foi meu professor. Com todo
o seu conhecimento, agora está ali, naquele belo mausoléu, com a figura de Cristo,
esculpida em mármore, batendo à porta. Por certo, muitas pessoas pararão para
contemplar a beleza da escultura, mas alguém saberá quem foi aquele homem, sua
invulgar cultura, seus feitos? Mais adiante, letras apagadas sobre a lápide
dizem estarem ali membros de ilustre família paulistana. Mas a poeira acumulada
indica que os remanescentes dessa família, de longa data, não aparecem para
reverenciar seus antepassados que, talvez, imigrantes que eram, tenham vencido
dificuldades, para lhes deixar glória e fortuna. Observo que a maioria, dos que
caminham pelas alamedas, é formada por pessoas de idade avançada. Bastante
compreensível, vez que os jovens tem a presunção da imortalidade. Muitos
justificam não irem a cemitério, porque seus mortos não mais lá estariam. Talvez
até tenham razão. Mas eu penso e sinto diferente: quando visito minha mãe,
tenho-a presente, com seu doce sorriso de quem cumpriu sua missão. Posso
conversar com ela e sei que ela me ouve. Porisso, sou radicalmente contra a
cremação. Se as cinzas são jogadas no mar ou em um parque, como compartilhar do
morto querido? Lembro-me de que, visitando um cemitério de uma cidade de
interior, li, gravado no pórtico: “Nós,
que aqui estamos, por vós esperamos”. É isso aí, amigo, temos um inexorável
encontro marcado e dele não podemos nos livrar. Para variar, é só uma questão
de tempo.
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