segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

A moça e o aborto

A este ponto convém falar da senhora, estudante de direito, mãe de dois filhos, que serviu de “laranja” ao PSOL para levar ao Supremo Tribunal Federal o debate sobre a proposta de descriminalização do aborto voluntário. Alegou a senhora, para embasar seu pedido, que, já sendo mãe de dois filhos, não teria condições econômico-financeiras para sustentar um terceiro. A Ministra Rosa Weber negou a concessão de liminar – que, se concedida, autorizaria, de imediato, a realização do aborto – e remeteu a matéria ao Colegiado para apreciação. Quanto à indigitada senhora, cabe apenas uma observação: trata-se de pessoa de bom nível social, com vivência sexual suficiente para conhecer e se utilizar dos diversos anti-conceptivos existentes, alguns, até, distribuídos, gratuitamente, pelas unidades de saúde. Por outro lado, a causa, por ela alegada – futuras dificuldades para manter o nascituro – não se insere dentre as hipóteses, previstas em nosso Código Penal, quando não se pune o aborto, praticado por médico, com consentimento da gestante e que são: o aborto necessário, quando não há outro meio de salvar a vida da gestante, ou se a gravidez resulta de estupro. (Código Penal, art. 127, incisos I e II.)
Assim, por aplicação literal da legislação penal, acima citada, a pretensão da senhora deve ser rejeitada, por votação unânime da Corte, certo? Errado! De larga data, os atuais Ministros do Supremo, usurpando atribuições do Poder Legislativo, vêm criando ou modificando leis, como se legisladores fossem. No caso específico do aborto, aquela Corte ratificou o esdrúxulo entendimento do Ministro Barroso, segundo o qual o aborto só é considerado crime, quando a gravidez é interrompida após o terceiro mês de gestação. Qual a base científica, utilizada pelo sapientíssimo Ministro, para se chegar a esta conclusão? Porque, a acreditar no entendimento dos médicos, a vida se inicia no momento da fecundação e, na sistemática de nosso direito, penal e civil, a palavra nascituro  (ablativo absoluto do verbo” nascere”, que significa “aquele que vai nascer”) designa o embrião humano, desde o momento da concepção.
Segundo o Direito Canônico, a partir do momento da concepção já existe vida humana, que precisa de proteção jurídica e esse entendimento, que remonta ao final do século 18, foi adotado e mantido pelo nosso Código Civil, mesmo após a instalação do Estado laico. Assim, a interrupção da gravidez, sem justa causa, a partir da concepção, constitui o crime de aborto, previsto em nossa legislação penal substantiva. Para a gestante, que provocou o aborto ou consentiu que outrem lho provocassem, a questão é de pequena relevância, porque a pena prevista – detenção de 01 a 03 anos – resulta, no máximo, em prestação de serviços, não importando em prisão, a menos que a autora já tenha sido condenada, em definitivo, por outro crime. Para os que defendem a liberação do aborto, sua punição afronta a liberdade individual. Para os que a ele se contrapõem, se o feto é vida, não há que se falar em liberdade, vez que ninguém está autorizado a matar.

A meu modesto juízo, nossa legislação, sobre o tema, apesar de vetusta, é precisa e não exige maiores modificações, vez que, de forma indireta, autoriza o aborto, desde que praticado por médico, e se resultou de estupro ou se a gravidez colocar em risco a vida da gestante. Talvez pequeno acréscimo mereça ser feito, admitindo as hipóteses de a criança poder nascer sem vida ou vir a ser portadora de doença ou deficiência irreversível. Aliás, este “acréscimo” já vem sendo consolidado pela jurisprudência que admite o aborto, quando se detecta no feto tais anomalias. A ciência médica evoluiu, a ponto de identificar, no curso da gestação, essas anomalias irreversíveis, como, por exemplo, no caso da anencefalia. Todavia, a liberação, pura e simples, do aborto, caracteriza indiscutível crime contra a vida e, o que é mais grave, contra uma vida sem qualquer possibilidade de se  defender.

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