segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

“últimas páginas”

Com indisfarçável surpresa, constato que o ano chega a seu final e, em pleno 2017 ainda estou por aqui, tantos companheiros ficados pelo caminho. Não sou chegado a “balanços”, porque sempre há perdas e ganhos a considerar e temos a patológica tendência de “chorar o leite derramado”, esquecidos dos momentos de paz, o papo amigo, a cerveja gelada, sorvidas  nas tardes quentes ou os vinhos encorpados, a espantarem as noites frias. Acabei de completar meu ciclo de exames médicos e, afora pequenas dores musculares, ainda dou para o gasto, mesmo que esse gasto seja apenas o trabalhar diário e a vida familiar, aí incluindo meus cachorros, filhos queridos, uns, confesso, mais queridos, como a Nara e o Olavo e, é claro, Rodolfo, meu politizado pastor companheiro de tertúlias noturnas e de fins-de-semana, a falarmos deste Brasil sem jeito, atolado na incompetência e na improbidade dos homens públicos. E, como bem observou Rodolfo, o mundo, além fronteira, também não vai melhor, com Maduro, destruindo a Venezuela, o coreano maluco, soltando mísseis e Trump insuflando mais conflitos, entre israelenses e palestinos. Também, nada disto é novidade e, entra ano, sai ano, o ser humano injeta mais ódio, ressentimento e hipocrisia em seu cotidiano viver, que, ao contrário do que ele imagina, tem encontro marcado com a morte e, o que é pior, é ela, a morte, quem marca a hora e o local deste indesejável encontro. Mas, como temos a vocação para o erro, quanto mais conquistamos a liberdade, mais nos apressamos a suprimi-la, agora, em nome desta coisa imbecil, chamada “o politicamente correto”. Já não podemos dizer o que pensamos e o que sentimos, segundo ancestral costume, porque corremos o risco de ser apontados (e, até mesmo, processados) como racistas, homofóbicos e outros epítetos de rasteiro calão. A mulher que passa, cheia de graça, e que, de graça, recebe um elogio, mesmo sem graça, ao invés de inflar o ego, corre ao distrito policial mais próximo e registra boletim de ocorrência, contra quem a elogiou, no todo ou em partes (eu, como não canso de alardear, prefiro coxas). Há cerca de 30 anos, abasteço meu carro, no mesmo posto de gasolina e, com frequência sou atendido por uma frentista a quem, por motivos óbvios, chamo “negão” e ele se refere a mim como “bigode”. Apesar de não perceber nele qualquer sinal de constrangimento, como, de igual sorte, nem de longe, penso em lhe exigir que respeite minha “doutorice”,  resolvi omitir o codinome, para não incidir em injuria racial.
Ontem, quando projetava grafar estas toscas linhas, pedi ao Rodolfo, como sugestão, o que desejar aos que gastaram seus minutos, lendo meus textos. Ele foi rápido, como os cowboys, de minha infância, ao sacar o revólver: “saúde, o máximo de saúde possível e tranquilidade, o máximo de tranquilidade possível, porque 2018 não será fácil. Ainda teremos “lava jato”, levando impurezas, sob forma de corrupção e trazendo impurezas, sob forma de arbítrio. Teremos ilusões perdidas e sonhos realizados. Deslizaremos da alegria à tristeza e, graças a Deus, vice-versa. Todavia, além de tudo isto, teremos eleições e, com elas, o horário gratuito e o desfile de pretendentes a heróis da pátria mãe gentil, que também sou filho teu e quero me servir dessa gentileza”.
Então, estes são meus votos a meus acompanhantes, conhecidos e desconhecidos, que passaram a me conhecer: muita saúde e muita tranquilidade neste ano que bate à porta. E, por falar em Deus, por que não o colocar, sempre que possamos, em nossos corações e mentes e podermos dizer, como Maria, “a minha alma engrandece o Senhor e meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador.”


Em tempo: para que não me acusem de plágio, “últimas páginas” é o título de obra do magnífico Eça de Queiróz, editada, postumamente, e que reúne crônicas do imortal escritor português.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

O “Dia da Justiça”

Saindo de casa, nesta sexta-feira, Rodolfo aborda-me: “que é da gravata, do paletó, hoje não se trabalha?” Respondo-lhe que, como se comemora o “dia da justiça”, o forum não funcionará, o que dispensa o traje oficial. Rodolfo fixa os olhos em mim e, com ar socrático, indaga: “afinal, o que é justiça?” Respondo-lhe, sintetizando  definição que remonta ao Direito Romano: “ é dar a cada um o que lhe pertence.” “E sua profissão alcança esse objetivo?”, quer saber ele, ao que retruco: “quase nunca o Direito e a Justiça conseguem marcar um encontro. Aliás, até marcam, mas o Direito, via de regra, chega atrasado, tantos os obstáculos, que encontra pelo caminho. Vou lhe dar um único exemplo, porque tenho cliente com hora marcada: faz 03 anos que busco reparação para jovem mãe, cuja única filha nasceu morta, porque o hospital (“São Luiz”, hoje, pertencendo à “Rede D’or”) negou-lhe atendimento, a que tinha direito. A prova contra o hospital é contundente e, inclusive, na esfera penal, já houve condenação, por omissão de socorro, que, para variar, recaiu sobre o atendente da noite, até, porque, como dizia, com muita sabedoria, minha falecida mãe: “o pau enverga nas costas do rico, mas quebra mesmo é no cu do pobre”. O hospital contratou o maior escritório de advocacia do Rio (para você ter ideia, o mesmo que defende Eike Batista e onde trabalha a esposa do Ministro Gilmar Mendes) e o processo, por isto ou por aquilo, não sai do lugar. Outro exemplo, para encerrar o papo: sabe aquele processo, cujos honorários permitirão nossa mudança para Arraial D’ajuda e que começou em 1995? Já ganhei em todos os Tribunais e, mesmo assim, a parte contrária, sempre contando com aqueles obstáculos, impede-me de alcançar o objetivo final. Eu e milhares de advogados poderíamos dar-lhe infindáveis exemplos deste frustrante desencontro entre o Direito e a Justiça.” Rodolfo volta à carga: “mas você não desiste, né? Lembro-me da noite, em que você chegou, sorriso aberto, até cantando, porque conseguira liberdade provisória para sua empregada, de quem, aliás, nem cobrou honorários. ” Pois é, Rodolfo, muito de quando em vez, o Direito e a Justiça conseguem se encontrar, principalmente em favor dos humildes, e aí realiza-se verdadeiro casamento real, o que reacende nosso entusiasmo... até o próximo obstáculo”.

Feliz “dia da justiça”, a todos os colegas que, em nome dela, suportam o peso da sua cruz.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

A inatingível redução da taxa de juros

Vejo a euforia dos jornalistas televisivos, anunciando que a taxa oficial de juros – a selic – caiu para 7% ao ano, a menor de nossa história, dizem. Fica a pergunta: quando essas reduções chegarão ao consumidor, se meu banco cobra 13% ao mês, no cheque especial e o cartão de crédito 20%,  os maiores encargos financeiros do mundo? Tais taxas, absurdamente extorsivas, agridem o orçamento, principalmente do pequeno e médio assalariado, que utiliza o cheque especial e o cartão de crédito para “ajudá-lo” a chegar ao fim do mês. Se ele não consegue quitar, integralmente, o débito (e quase nunca o consegue), entrará numa roda viva, da qual dificilmente sairá. Os bancos e as operadoras de cartão de crédito são verdadeiras piranhas (no duplo sentido do termo), fornecendo cheques especiais e cartões, com expressivo  limite, a pessoas de baixa renda, provocando  injusta situação: eles, os bancos e operadoras de cartão, exibindo em seus balanços, lucros astronômicos e, de  outro lado, o desassistido correntista, via de regra, assalariado, sendo obrigado a exaurir seu 13º salário para pagar inexpugnáveis encargos financeiros.

Com incontestável razão, o ilustre advogado e jornalista Airton Soares, quem me honra com seu convívio, repete, como “mantra”, no “Jornal da Cultura” que, dentre todas as reformas, a do sistema financeiro talvez seja a mais importante. Descrente nos que governam, acho devaneio a proposta do ilustre companheiro, que, como poucos,  honrou o Poder Legislativo, como deputado federal.

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Natal sem Jesus

Eis que, de repente, chega, dezembro, trazendo consigo o natal. Volto à infância e me vejo na excitação da espera do presente que, àquela época, era encontrado no sapato, ao pé da cama, na manhã do dia 25. Invariavelmente, era bola ou revolver de espoleta. A viagem dá um salto e chego ao natal de meus filhos, ainda pequenos, abrindo, quase com volúpia, os pacotes, para desvendarem seus segredos. Constato, sem esforço, que, nestas recordações, o “dono da festa” entra muito pouco. As árvores de natal, enfeitadas, com mais ou menos detalhes, tradição herdada dos europeus nórdicos, pois o evento religioso é verdadeiramente representado pelo presépio, que retrata o nascimento de Jesus. Porque e para que ele nasceu, todos o sabemos. A dúvida, que, desde remotos tempos, paira, em corações e mentes, é se esse nascimento, a trajetória e morte de Jesus, cumpriu o objetivo proposto: fazer com que a harmonia exista, entre os homens. Quando ele nasceu, o povo judeu estava subjugado pelo Império Romano e, desde lá, ininterruptamente, os homens, sem qualquer “boa vontade”, vêm se matando, numa desmedida luta pelo poder. “vanitas, vanitates”, tudo é vaidade e, em nome  dela, todos os dias, buscamos esta coisa intangível, chamada felicidade, mesmo que, para alcançá-la, tenhamos que tripudiar sobre terceiros, que jamais consideramos nossos “próximos” ou “semelhantes”.  É como se Jesus, depois feito Cristo, sentisse amargo gosto na boca, pelo vazio em que caiu seus ensinamentos. Talvez seja por isto que, cada ano, goste menos do natal, onde emerge a hipocrisia – sempre ela – de desejarmos “feliz natal”, sem nem mesmo sabermos o que estamos dizendo. Por isso, nesta quadra do ano, refugio-me na memória de tempos idos e vividos, quando era hipócrita, sem saber que o era e achava que o Menino Jesus estava entre os presentes, recebidos  e distribuídos. Tenho convicção que, nesta época, Jesus, mais Cristo do que Jesus, olha-nos nos olhos e deixa cair furtiva lágrima, por constatar quão longe estamos dele.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

A moça e o aborto

A este ponto convém falar da senhora, estudante de direito, mãe de dois filhos, que serviu de “laranja” ao PSOL para levar ao Supremo Tribunal Federal o debate sobre a proposta de descriminalização do aborto voluntário. Alegou a senhora, para embasar seu pedido, que, já sendo mãe de dois filhos, não teria condições econômico-financeiras para sustentar um terceiro. A Ministra Rosa Weber negou a concessão de liminar – que, se concedida, autorizaria, de imediato, a realização do aborto – e remeteu a matéria ao Colegiado para apreciação. Quanto à indigitada senhora, cabe apenas uma observação: trata-se de pessoa de bom nível social, com vivência sexual suficiente para conhecer e se utilizar dos diversos anti-conceptivos existentes, alguns, até, distribuídos, gratuitamente, pelas unidades de saúde. Por outro lado, a causa, por ela alegada – futuras dificuldades para manter o nascituro – não se insere dentre as hipóteses, previstas em nosso Código Penal, quando não se pune o aborto, praticado por médico, com consentimento da gestante e que são: o aborto necessário, quando não há outro meio de salvar a vida da gestante, ou se a gravidez resulta de estupro. (Código Penal, art. 127, incisos I e II.)
Assim, por aplicação literal da legislação penal, acima citada, a pretensão da senhora deve ser rejeitada, por votação unânime da Corte, certo? Errado! De larga data, os atuais Ministros do Supremo, usurpando atribuições do Poder Legislativo, vêm criando ou modificando leis, como se legisladores fossem. No caso específico do aborto, aquela Corte ratificou o esdrúxulo entendimento do Ministro Barroso, segundo o qual o aborto só é considerado crime, quando a gravidez é interrompida após o terceiro mês de gestação. Qual a base científica, utilizada pelo sapientíssimo Ministro, para se chegar a esta conclusão? Porque, a acreditar no entendimento dos médicos, a vida se inicia no momento da fecundação e, na sistemática de nosso direito, penal e civil, a palavra nascituro  (ablativo absoluto do verbo” nascere”, que significa “aquele que vai nascer”) designa o embrião humano, desde o momento da concepção.
Segundo o Direito Canônico, a partir do momento da concepção já existe vida humana, que precisa de proteção jurídica e esse entendimento, que remonta ao final do século 18, foi adotado e mantido pelo nosso Código Civil, mesmo após a instalação do Estado laico. Assim, a interrupção da gravidez, sem justa causa, a partir da concepção, constitui o crime de aborto, previsto em nossa legislação penal substantiva. Para a gestante, que provocou o aborto ou consentiu que outrem lho provocassem, a questão é de pequena relevância, porque a pena prevista – detenção de 01 a 03 anos – resulta, no máximo, em prestação de serviços, não importando em prisão, a menos que a autora já tenha sido condenada, em definitivo, por outro crime. Para os que defendem a liberação do aborto, sua punição afronta a liberdade individual. Para os que a ele se contrapõem, se o feto é vida, não há que se falar em liberdade, vez que ninguém está autorizado a matar.

A meu modesto juízo, nossa legislação, sobre o tema, apesar de vetusta, é precisa e não exige maiores modificações, vez que, de forma indireta, autoriza o aborto, desde que praticado por médico, e se resultou de estupro ou se a gravidez colocar em risco a vida da gestante. Talvez pequeno acréscimo mereça ser feito, admitindo as hipóteses de a criança poder nascer sem vida ou vir a ser portadora de doença ou deficiência irreversível. Aliás, este “acréscimo” já vem sendo consolidado pela jurisprudência que admite o aborto, quando se detecta no feto tais anomalias. A ciência médica evoluiu, a ponto de identificar, no curso da gestação, essas anomalias irreversíveis, como, por exemplo, no caso da anencefalia. Todavia, a liberação, pura e simples, do aborto, caracteriza indiscutível crime contra a vida e, o que é mais grave, contra uma vida sem qualquer possibilidade de se  defender.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Do sonho à realidade



Não sou versado em interpretação de sonhos, se é que possam eles ser interpretados, como querem os psicólogos. Tenho um amigo, que se distanciou, (até porque sou péssimo em manter amizade) que, certa feita, contou-me sintomático caso, a comprovar que os sonhos nada significam: durante noites seguidas sonhou com seis números, gravados em uma parede. Na manhã, posterior à última noite, em que tivera o mesmo sonho, mal estacionou seu carro, ao lado do fórum, foi abordado por um vendedor de bilhetes de loteria e afins, que lhe ofereceu uma mega sena, contendo exatamente os 06 números sonhados. O sorteio –vários  milhões acumulados – ocorreria na mesma noite e, cabeça a mil, passou o dia projetando como gastaria a grana, tal a certeza de que ganharia. Para sua decepção, não acertou um único número. Tenho alguns sonhos recorrentes, aos quais não atribuo qualquer valor, mas, na última madrugada, tive verdadeira revelação: já expus, aqui, meu desassossego quanto ao final de meu livro, entre matar ou manter viva a “mocinha”. Tinha decidido matá-la, a ela e aos pais, por coerência à história. Salvá-la seria dar prevalência ao romantismo, o que é utópico, mas sempre lava a alma. Escrevi os dois finais, para me decidir com o texto pronto. Eis que, na última madrugada, “vivi” um terceiro final, praticamente simbiose dos dois pensados. Achei ótimo e, no  final de semana, ponho a mão na massa.