segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Uma viagem no tempo.
Seja porque a idade tenha me transformado em ermitão, seja porque o exercício do lazer constitui, em nossa Capital, iminente risco à segurança física, o certo é que tenho gasto, cada vez mais, meu tempo livre com a leitura. E nessa passei a desenvolver o hábito de, simultaneamente, ler dois livros: um, atual e outro, de tempos idos e vividos, que garimpo em minha modesta biblioteca. Assim é que, ontem, procurando no setor de “política”, achei o “Juscelino e Jango – PSD – PTB”, de autoria de Abelardo Jurema, político paraibano que, dentre tantos cargos, foi líder do Presidente Juscelino e Ministro da Justiça de João Goulart. Viajei, no tempo e no sentimento, razão pela qual vou falar, não do livro, mas de ambos, tempo e sentimento:
O tempo primeiro: Corria o ano de 1963, eu, lacerdista até o último fio do cabelo, abominava, até de modo irracional, Jango e todos os que estivessem a sua volta. Daí fico sabendo que o Ministro Abelardo Jurema viria a São Paulo, para participar de um programa de televisão, chamado “Pinga Fogo”, de cunho eminentemente político, levado ao ar pela extinta TV Tupi. Reuni-me com outros radicais, como eu e, munidos de ovos e tomates, dirigimo-nos para as portas da emissora, com o objetivo de impedir que Abelardo Jurema participasse do programa. Não me lembro se alcançamos êxito em nosso intento, apenas registro o fato.
O tempo segundo: Lá por volta do final de 1971, trabalhando no Ministério da Fazenda, que insistia em se manter no Rio, sou informado que viria trabalhar, na mesma unidade minha, Osvaldo Jurema, filho do nominado Abelardo. Exasperei-me: “mas como, filho daquele comunista? Vou pedir para me mudar de setor.” Não mudei, conheci Osvaldo e não se passaram senão alguns minutos para nos tornarmos amigos eternos, amizade que se estendeu a nossas famílias e que dura até hoje... para honra e orgulho meus.

Terceiro tempo: Em 1977, Abelardo Jurema retorna do exílio e eu vou conhecê-lo. O “comunista”, que eu queria alvejar, constato ser um homem doce e generoso que, com incompreensível alegria, fala-me de seu exílio, no Peru, onde, para sobreviver, chegou a vender charuto em estádio de futebol. Nenhum rancor, nenhuma melancolia, a elogiar, para meu espanto, Geisel e Delfim. Apaixonei-me pela sua fala fácil, pela sua cordialidade e passei a “perseguir sua companhia”, dele bebendo cada frase... e alguns uísques. Contei-lhe, quase em terapia, minha agressividade do passado e ele apenas riu. Em 1979 ele lançou o livro, que agora releio e onde ele apôs dedicatória que começa por dizer “a meu amigo...”. Guardo quase como condecoração uma fotografia, tirada na “noite de autógrafo” deste livro”. Estou eu de pé, ele, sentado, escrevendo a dedicatória, tendo ao lado seu filho e meu amigo – irmão Osvaldo. Bateu saudade daquele homem, conciliador, que desconhecia o significado da palavra “rancor”. Meu querido Dr.  Abelardo: ao dar minha última teclada, renovo o uísque bebido, ergo um brinde em sua homenagem e peço desculpas pelo gesto insano de minha fugidia juventude. Quanto ao livro, é leitura imperdível para quem quiser mergulhar nos bastidores da mais agitada fase da história de nosso País.

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