CARTA A UM
COMPANHEIRO DA “PIOR IDADE”
Prezado Amigo,
Leio, no Google Notícias de ontem, 29, que “a
expectativa de vida do brasileiro aumenta para 74 anos e 29 dias”. Como
levo a sério estatísticas, principalmente as que contém dados tão precisos,
comecei, imediatamente, a fazer meu planejamento, que lhe envio, a título de
sugestão:
1.- Arrumar minhas gavetas, destruindo papéis que possam
comprometer minha imagem póstuma.
2.- Escrever, de forma a mais inteligente possível
(tarefa ingente) sobre temas atuais, de modo a valorizar minha imagem póstuma.
3.- Passar a largo dos “pecados capitais”, principalmente
o da “ira”, da “inveja” e da “luxúria” (se bem que esse a idade já se encarregou
de apagar), de modo a ter algum crédito, quando chegar “do outro lado”. Quanto
ao pecado da “gula”, não vejo mal algum em cometê-lo. Se estou garantido até os
74 anos e 29 dias, que vinde a mim a carne de porco, o leitão à pururuca, a
carne de sol, a cerveja no calor e o vinho, no frio. Tudo em abundância. Às
favas com as saladas e as carnes magras e grelhadas, com gosto de sola de
sapato. Já que vou, levarei comigo boa carga de colesterol. E não posso me
esquecer dos doces, muito e de todas as espécies, com a máxima dosagem de
açúcar possível. Morrer sem diabetes, chega a ser sacrilégio.
4.- Pensar um pouco nos desafortunados, dando-lhes
aquelas roupas, esquecidas no armário, esperando-nos vencer a luta inglória do
emagrecer.
5.- Dar mais atenção ao lado espiritual, rezando mais e
pedindo perdão pelos pecados acumulados vida afora, principalmente os mortais.
Sinceramente, não acho que “desejar a mulher do próximo” seja algo tão
grave assim, até porque o desejar é ato emocional, que passa longe da razão.
Mas, como consta das “Tábuas da Lei”, convém enumerar tantos desejos ilegais e,
um a um, ir pedindo perdão por eles. Ah, é bom não se esquecer de que,
biblicamente falando, próximo são todos e não apenas o vizinho do lado.
6.- Para não me estender mais, concluo pela conveniência
de guardar algum dinheiro para que a viúva – que, em vida, já apenas nos
suporta – lembre-se de nós com alguma benevolência.
Em tempo: fico a me perguntar: o que acontecerá, falhando a previsão, se
amanhecermos vivos na manhã do 30º dia, após 74 anos? Pagaremos multa, seremos
presos? E, se ao contrário, morrermos antes do prazo delimitado? A viúva terá
direito a uma indenização, calculada sobre o tempo faltante?
Forte abraço!