Saímos, eu Rodolfo, meu politizado pastor alemão e Nara, para
nosso habitual passeio no parque. Depois de caminhar por entre as árvores, sento-me em um banco
para contemplar a mansidão do lago e o movimento, pessoas que passam,
provavelmente envolvidos com seus problemas. Nara, acossada pelos anos, deita a
meus pés. Rodolfo, exuberante em juventude, sobe no banco, primeiro, me lambe o
rosto – é seu jeito de agradecer-me o passeio – e, depois, acomoda-se a meu
lado. É claro que vai ter conversa e é ele quem começa: -“e aí, como foi seu ano? Sempre achei bobagem este negócio de balanço de
fim de ano, como se a vida não fosse sequência ininterrupta de acontecimentos,
mas fazer planos, imaginar que haverá um novo ano, sempre melhor, é próprio do ser humano. Espécie de mentira,
na qual vocês acreditam. Você, por exemplo, nestes três anos, que convivemos,
alterna momentos bons e ruins, mais estes do que aqueles, como se a vida fosse
perdendo o sentido, não é verdade?” Afago-lhe a cabeça e demoro um pouco a
responder, até porque não tenho certeza do que dizer: - “não é que a vida vai perdendo o sentido, meu caro. Na verdade, a vida
vai se perdendo, porque o tempo é mercadoria que não se repõe. Nós humanos,
gastamos, inutilmente, boa parte desse tempo e, quando nos damos conta,
constatamos que o estoque de afeto, de paz interior, acabou. Passamos a vida
cultivando o preconceito, a soberba e o egoísmo, achando que somos melhores,
porque temos ou mais cultura, ou mais dinheiro, ou melhor posição social, quando concluímos pela desimportância de tudo isto, o tempo é o final da luz da vela,
que vai apagar, daqui a pouco. Não há pote para guardar alegrias vividas. Elas,
como se fumaça fossem, desaparecem no ar, vagas e apagadas lembranças ficam.
Aprendi, tardiamente, a viver tão somente o momento presente. Agora, por
exemplo, estamos nós três, aqui., nesta tranqüilidade. Não quero, nem vou
pensar no que acontecerá mais tarde ou amanhã. Por isso, qualquer avaliação do
ano terminal não tem qualquer significado, afinal, o que houve, de bom ou de
ruim, passou.” Mas Rodolfo insiste, talvez apenas para manter a conversa: -
“e o que você planeja ou espera do
próximo ano?” – “não planejo coisa
alguma e, se ainda estiver por aqui, com
saúde para trabalhar e dar estes nossos passeios, já estarei no lucro. Além do
mais, os fatos acontecem, independentemente de nossas vontades, nosso poder de
interferir é mínimo.” - “E se você
ganhar os 200 milhões da mega cena da virada, não muda tudo?”, insiste Rodolfo.
– “Por mais incrível que pareça, meu caro
Rodolfo, não muda quase nada. Afora ajudar algumas pessoas, algumas
instituições, que posso fazer de tão radical, a esta altura da vida? Se fosse pelo
menos 10 anos mais jovem, por certo compraria uma casa, com terreno gigantesco
para você ter uns 30 irmãos, com os quais conviveria ou, talvez viajasse para
alguns poucos lugares, para onde não fui e não mais poderei ir. O tempo, meu
amado Rodolfo, como diz um poeta francês, é carrasco sem piedade. Veja a Nara,
deitada a meus pés. Já teve sua idade,
fazia as loucuras que você faz e, hoje, fica alegre em sair conosco, mas,
quando voltamos, nem me acompanha, na subida da escada.” – “Afinal, quantos anos você tem, por que essa
obsessão em esconder a idade?, - “eu
não escondo a idade, eu me escondo da idade, Rodolfo. É uma espécie de negação
da realidade. Eu saber quantos anos tenho, já é gente demais para tão fúnebre
conhecimento.” Rodolfo desce do banco, ameaça avançar sobre um gato, que
mostra o rosto entre a folhagem, Nara sai de sua letargia, sinais que dão o
passeio por concluído. Retornamos à casa, como de hábito, Rodolfo sobe a escada
comigo e, antes que eu entre, ele diz que quer conversar comigo, em separado,
sobre as perspectivas do Brasil para 2017. Balanço a cabeça, com tédio, como a
perguntar: que perspectivas? A partir do dia 22 entro em “férias coletivas”, de tudo e de todos...menos do Rodolfo.
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