sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

PEQUENA HISTÓRIA DE UM AMOR PEDIDO



Convoca-me meu filho para acompanhá-lo à loja, onde comprará fantasia para meu neto. Pedido de filho e de neto não dá para recusar. Entramos e, entre dezenas de pessoas, lá estava ela, morena, cabelos pretíssimos, véu bordado cobrindo o rosto, vestindo módico biquíni preto, deixando à mostra coxas longuíssimas. Olhos pretos brilhantes, que pousaram  nos meus, esboçando tênue sorriso. Logo em mim,  matusalém assumido que, de longa data, não merecia nem mesmo um olhar feminino de desprezo! Sorri-lhe, timidamente e ela manteve o sorriso. Deveria ser alguma vendedora, querendo estimular potencial cliente. Não, não poderia ser! De biquíni, na frente do balcão? Então seria espécie de “chamariz”. Não importava, fosse quem fosse, eu estava deslumbrado com sua beleza, suas coxas torneadas e tudo isto olhando para mim, como se eu ainda valesse a pena. Pensei em abordá-la, pedir o telefone, mas, com meu filho ao lado...era preciso manter a imagem de pai. Ele chamou-me para o fundo da loja e tive a impressão, quase certeza, que ela me seguia com os olhos. Quando saímos, compras concluídas, ela continuava no mesmo lugar e despediu-se de mim com o mesmo sorriso. Em casa, durante dias e principalmente noites, pensava nela, sonhava com ela, sempre de biquíni, levantando o véu, para tomar-me os lábios. Senti o perfume de seu hálito se desprender dentro de mim. Tentei adivinhar-lhe o nome, mas nenhum combinava com seus olhos e coxas. Conhecê-la, conversar com ela, quem sabe convidá-la para aperitivo, em final de tarde, passou a ser obsessão. Onde levá-la, eu, eu, ausente da vida há tanto tempo? Numa tarde, chuva ameaçando desabar, com a ansiedade de adolescente, tomei coragem e entrei na loja. Ensaiara palavras inteligentes para impressioná-la, mas ao passar pela porta, tudo foi arrancado de meu cérebro. Tinha Certeza que diria óbvias palavras banais. Pensei em recuar, mas sabia, se o fizesse não teria paz.  Agora era seguir em frente. Percorri todas as dependências da loja, fixei-me no rosto de todas as vendedoras e não a encontrei. Seria seu dia de folga? Meu coração batia acelerado e minhas mãos encharcavam-se de suor. Até que fui abordado por um homem que, identificando-se como gerente, perguntou-me:- “desculpe, mas vejo o senhor, andando pra lá e pra cá, precisa de alguma coisa, posso ajudá-lo?”. De forma confusa e gaguejante, disse-lhe quem procurava. Ele, também perturbado, deu-me surpreendente resposta: “Ah, o senhor fala daquela manequim, fantasiada de bailarina oriental? Ela está sendo preparada para a festa do “haloween”, será uma bruxa. Mas o que o senhor quer? “ A voz calou-me na garganta e, só com muito esforço e depois de um tempo, que me pareceu séculos, consegui, trêmulo, responder: “é que gostei muito do...do...do manequim” e gostaria de comprá-lo” – “desculpe-me, senhor, mas nossos manequins não estão à venda, mas posso dar-lhe o endereço da fábrica, que os produz. Espere um pouco, que vou até o escritório”. Antes que o gerente voltasse, saí da loja, vistas embaçadas, cabeça a mil e atravessei a avenida, sem olhar para os lados, “quer morrer, ô maluco”, gritou-me o motorista do carro, brecado em cima de mim. Talvez quisesse, afinal  perdera minha última paixão.

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