Convoca-me meu filho para acompanhá-lo à loja, onde comprará
fantasia para meu neto. Pedido de filho e de neto não dá para recusar. Entramos
e, entre dezenas de pessoas, lá estava ela, morena, cabelos pretíssimos, véu bordado
cobrindo o rosto, vestindo módico biquíni preto, deixando à mostra coxas
longuíssimas. Olhos pretos brilhantes, que pousaram nos meus, esboçando tênue sorriso. Logo em
mim, matusalém assumido que, de longa
data, não merecia nem mesmo um olhar feminino de desprezo! Sorri-lhe,
timidamente e ela manteve o sorriso. Deveria ser alguma vendedora, querendo
estimular potencial cliente. Não, não poderia ser! De biquíni, na frente do
balcão? Então seria espécie de “chamariz”.
Não importava, fosse quem fosse, eu estava deslumbrado com sua beleza, suas
coxas torneadas e tudo isto olhando para mim, como se eu ainda valesse a pena.
Pensei em abordá-la, pedir o telefone, mas, com meu filho ao lado...era preciso
manter a imagem de pai. Ele chamou-me para o fundo da loja e tive a impressão,
quase certeza, que ela me seguia com os olhos. Quando saímos, compras
concluídas, ela continuava no mesmo lugar e despediu-se de mim com o mesmo
sorriso. Em casa, durante dias e principalmente noites, pensava nela, sonhava
com ela, sempre de biquíni, levantando o véu, para tomar-me os lábios. Senti o
perfume de seu hálito se desprender dentro de mim. Tentei adivinhar-lhe o nome,
mas nenhum combinava com seus olhos e coxas. Conhecê-la, conversar com ela,
quem sabe convidá-la para aperitivo, em final de tarde, passou a ser obsessão.
Onde levá-la, eu, eu, ausente da vida há tanto tempo? Numa tarde, chuva
ameaçando desabar, com a ansiedade de adolescente, tomei coragem e entrei na
loja. Ensaiara palavras inteligentes para impressioná-la, mas ao passar pela
porta, tudo foi arrancado de meu cérebro. Tinha Certeza que diria óbvias
palavras banais. Pensei em recuar, mas sabia, se o fizesse não teria paz. Agora era seguir em frente. Percorri todas as
dependências da loja, fixei-me no rosto de todas as vendedoras e não a
encontrei. Seria seu dia de folga? Meu coração batia acelerado e minhas mãos
encharcavam-se de suor. Até que fui abordado por um homem que, identificando-se
como gerente, perguntou-me:- “desculpe,
mas vejo o senhor, andando pra lá e pra cá, precisa de alguma coisa, posso
ajudá-lo?”. De forma confusa e gaguejante, disse-lhe quem procurava. Ele,
também perturbado, deu-me surpreendente resposta: “Ah, o senhor fala daquela manequim, fantasiada de bailarina oriental?
Ela está sendo preparada para a festa do
“haloween”, será uma bruxa. Mas o que o senhor quer? “ A voz calou-me na
garganta e, só com muito esforço e depois de um tempo, que me pareceu séculos,
consegui, trêmulo, responder: “é que
gostei muito do...do...do manequim” e gostaria de comprá-lo” – “desculpe-me, senhor, mas nossos manequins
não estão à venda, mas posso dar-lhe o endereço da fábrica, que os produz.
Espere um pouco, que vou até o escritório”. Antes que o gerente voltasse,
saí da loja, vistas embaçadas, cabeça a mil e atravessei a avenida, sem olhar
para os lados, “quer morrer, ô maluco”,
gritou-me o motorista do carro, brecado em cima de mim. Talvez quisesse,
afinal perdera minha última paixão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário