Chego em casa, após a missa dominical e, imediatamente, conduzo Rodolfo, meu politizado pastor alemão
e Nara, com quem ele mantém união estável, ao parque, absolutamente
congestionado, naquela esplendorosa manhã de sol. Percorremos caminho
alternativo, por entre as árvores, evitando a pista: muitos outros cachorros
por lá e Rodolfo é infenso a aglomerações, fica impaciente e, às vezes, até
agressivo. A prudência manda evitar conflitos. Depois de quase uma hora de sobe
e desce, sentamo-nos em um banco, à sombra, muito mais por mim, estimulado pela
minha longeva carteira de identidade.
Houve um tempo – distante tempo – em que dava, correndo, 10 voltas entorno
do lago. Éramos um grupo de 10 ou mais, dos quais, hoje, restamos apenas eu e o
Ivan, muito mais ele, que ainda corre mesmo de freio de mão puxado. Mas este
não é o assunto, até porque, contrariando o cancioneiro popular, recordar não
só não é viver, mas é constatar que morremos aos poucos. O Certo é que, mal
sentei, Rodolfo subiu no banco e acomodou-se a meu lado. Senti que vinha
conversa pesada e eu, ainda com gosto de hóstia, preferia contemplar a
exuberância do verde, que me cercava. Mas Rodolfo foi direto ao assunto.
- “você vai à
manifestação, na Avenida Paulista? Como sei que é quase uma festa, gostaria que
você me levasse.”
Para sua surpresa, quase indignação, respondi que não ia. Ele
quis saber o porquê, eu que fora em todas as manifestações, pró impeachment da ex presidente Dilma:
“mas é um ato
importante, contra a corrupção e a favor da lava-jato. Não vai me dizer que
você concorda com a corrupção e é contra a lava-jato?”.
Sorri-lhe, alisando-lhe a cabeça:
“em casa, explico-lhe
meus motivos”.
Ao retornar, deixei-o se refrescando, fui até a modesta
biblioteca, retirei 3 volumes de um livro, fiz escala na geladeira, colocando
algumas latinhas de cerveja em um
isopor e voltei ao encontro de Rodolfo. Sentado
em uma cadeira de praia, abri a primeira latinha e coloquei metade do conteúdo
em um vasilhame, que ele bebeu com sofreguidão. Questão de origem! Depois que
ele se acomodou a meu lado, abri o livro. Tratava-se de “Ascensão e Queda do Terceiro Reich”, sem autor definido, edição
ilustrada da “Civilização Brasileira”,
de 1962. Mostrei-lhe várias fotografias de multidões de alemães, em comícios
nazistas, ovacionando seus lideres , Hitler, principalmente, a prometerem restaurar
a dignidade e o poder do povo alemão. “o
povo - expliquei-lhe – muitas vezes é utilizado e se deixa utilizar, como massa
de manobra para obtenção de interesses
camuflados”. Nas manifestações anteriores – esclareci – havia objetivo
determinado: O impeachment de uma presidente que destruíra e seguia destruindo
a economia do País com graves consequências
sociais. Já o movimento deste domingo é vago e falso, porque todos somos
favoráveis a atacar a corrupção e a “lava-jato”, como arma para esse ataque,
não pode ser desmontada. Agora, o que se repudia e é por isso que não prestigio
a manifestação, é fazer do combate à corrupção uma cruzada, como se fosse ela,
a corrupção, o grande problema do País. Ela, a corrupção, é problema cultural,
que vem sendo minimizado, estruturalmente com a educação e, conjunturalmente,
com operações, como a “lava-jato”,
operações que não podem ser utilizadas, parar gerarem “salvadores da pátria”, que se transformam em heróis, a se situarem
acima do bem e do mal. Hitler, durante certo tempo, foi herói do povo alemão, como Mussolini o foi da
Itália e Stalin foi da Rússia e das conseqüências desse “heroísmo” sabemos as conseqüências. Hoje o grande problema do
Brasil, a ser solucionado, é a crise econômica, que gera desemprego. A “lava-jato” por excesso de estrelismo,
tem fragilizado as instituições, agravando a crise econômica. Agora mesmo, o
Poder Judiciário colide com o Legislativo, gerando descrédito para o primeiro e
paralisando o segundo. Eu pergunto: quem vai investir em um País de
instituições frágeis? E, sem investimento, a economia, na melhor das hipóteses,
fica estagnada e as conseqüências sociais são visíveis, além do desemprego, o
aumento da criminalidade e a perturbação da ordem pública. A polícia realiza,
com habitualidade, operações para combater o tráfico de entorpecentes, a
pedofilia, a pirataria de produtos e faz tudo isso sem nenhum alarde. Essas
operações são menos importantes que a “lava-jato”?
claro que não! todavia, como esta foi no fígado da elite, ganhou o apoio da
mídia e seus agentes estão se transformando
em “heróis”, com poderes para afrontarem o ordenamento jurídico, sem o qual
nenhuma democracia sobrevive. Esta manifestação de hoje, domingo, não tem
objetivo corpóreo e o incorpóreo, oculto, camuflado é nefasto ao País, porque
coloca em risco as instituições. ”Estas
são as razões pelas quais lá não colocarei os pés”. Enquanto eu apresentava
minhas justificativas, Rodolfo, saboreando a cerveja que eu repusera em seu
vasilhame, ia folhando os volumes do livro: o primeiro retratava o surgimento e
o apogeu do nazismo; o segundo, a guerra, em si, da invasão da Polônia aos
horrores dos campos de concentração; o terceiro, a queda do “Reich”, Berlim destruída e filas de
alemães, em busca de mantimentos. Rodolfo, lentamente, dirigiu-se para o lado
oposto, encostou-se em Nara, que
cochilava e, quase murmurando-me, disse: “você estragou meu domingo”.
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