quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Rodolfo, eu e a manifestação frustrada

Chego em casa, após a missa dominical e, imediatamente,  conduzo Rodolfo, meu politizado pastor alemão e Nara, com quem ele mantém união estável, ao parque, absolutamente congestionado, naquela  esplendorosa  manhã de sol. Percorremos caminho alternativo, por entre as árvores, evitando a pista: muitos outros cachorros por lá e Rodolfo é infenso a aglomerações, fica impaciente e, às vezes, até agressivo. A prudência manda evitar conflitos. Depois de quase uma hora de sobe e desce, sentamo-nos em um banco, à sombra, muito mais por mim, estimulado pela minha longeva carteira de identidade.  Houve um tempo – distante tempo – em que dava, correndo, 10 voltas entorno do lago. Éramos um grupo de 10 ou mais, dos quais, hoje, restamos apenas eu e o Ivan, muito mais ele, que ainda corre mesmo de freio de mão puxado. Mas este não é o assunto, até porque, contrariando o cancioneiro popular, recordar não só não é viver, mas é constatar que morremos aos poucos. O Certo é que, mal sentei, Rodolfo subiu no banco e acomodou-se a meu lado. Senti que vinha conversa pesada e eu, ainda com gosto de hóstia, preferia contemplar a exuberância do verde, que me cercava. Mas Rodolfo foi direto ao assunto.
- “você vai à manifestação, na Avenida Paulista? Como sei que é quase uma festa, gostaria que você me levasse.”
Para sua surpresa, quase indignação, respondi que não ia. Ele quis saber o porquê, eu que fora em todas as manifestações, pró  impeachment da ex presidente Dilma:
“mas é um ato importante, contra a corrupção e a favor da lava-jato. Não vai me dizer que você concorda com a corrupção e é contra a lava-jato?”.
Sorri-lhe, alisando-lhe a cabeça:
“em casa, explico-lhe meus motivos”.
Ao retornar, deixei-o se refrescando, fui até a modesta biblioteca, retirei 3 volumes de um livro, fiz escala na geladeira, colocando algumas latinhas de cerveja em  um isopor  e voltei ao encontro de Rodolfo. Sentado em uma cadeira de praia, abri a primeira latinha e coloquei metade do conteúdo em um vasilhame, que ele bebeu com sofreguidão. Questão de origem! Depois que ele se acomodou a meu lado, abri o livro. Tratava-se de “Ascensão e Queda do Terceiro Reich”, sem autor definido, edição ilustrada da “Civilização Brasileira”, de 1962. Mostrei-lhe várias fotografias de multidões de alemães, em comícios nazistas, ovacionando seus lideres , Hitler, principalmente, a prometerem restaurar a dignidade e o poder do povo alemão. “o povo - expliquei-lhe – muitas vezes é utilizado e se deixa utilizar, como massa de manobra para obtenção de  interesses camuflados”. Nas manifestações anteriores – esclareci – havia objetivo determinado: O impeachment de uma presidente que destruíra e seguia destruindo a economia  do País com graves consequências sociais. Já o movimento deste domingo é vago e falso, porque todos somos favoráveis a  atacar a corrupção e a “lava-jato”, como arma para esse ataque, não pode ser desmontada. Agora, o que se repudia e é por isso que não prestigio a manifestação, é fazer do combate à corrupção uma cruzada, como se fosse ela, a corrupção, o grande problema do País. Ela, a corrupção, é problema cultural, que vem sendo minimizado, estruturalmente com a educação e, conjunturalmente, com operações, como a “lava-jato”, operações que não podem ser utilizadas, parar gerarem “salvadores da pátria”, que se transformam em heróis, a  se  situarem acima do bem e do mal. Hitler, durante certo tempo, foi  herói do povo alemão, como Mussolini o foi da Itália e Stalin foi da Rússia e das conseqüências desse “heroísmo” sabemos as conseqüências. Hoje o grande problema do Brasil, a ser solucionado, é a crise econômica, que gera desemprego. A “lava-jato” por excesso de estrelismo, tem fragilizado as instituições, agravando a crise econômica. Agora mesmo, o Poder Judiciário colide com o Legislativo, gerando descrédito para o primeiro e paralisando o segundo. Eu pergunto: quem vai investir em um País de instituições frágeis? E, sem investimento, a economia, na melhor das hipóteses, fica estagnada e as conseqüências sociais são visíveis, além do desemprego, o aumento da criminalidade e a perturbação da ordem pública. A polícia realiza, com habitualidade, operações para combater o tráfico de entorpecentes, a pedofilia, a pirataria de produtos e faz tudo isso sem nenhum alarde. Essas operações são menos importantes que a “lava-jato”? claro que não! todavia, como esta foi no fígado da elite, ganhou o apoio da mídia e seus agentes estão se  transformando em “heróis”, com poderes para  afrontarem o ordenamento jurídico, sem o qual nenhuma democracia sobrevive. Esta manifestação de hoje, domingo, não tem objetivo corpóreo e o incorpóreo, oculto, camuflado é nefasto ao País, porque coloca em risco as instituições. ”Estas são as razões pelas quais lá não colocarei os pés”. Enquanto eu apresentava minhas justificativas, Rodolfo, saboreando a cerveja que eu repusera em seu vasilhame, ia folhando os volumes do livro: o primeiro retratava o surgimento e o apogeu do nazismo; o segundo, a guerra, em si, da invasão da Polônia aos horrores dos campos de concentração; o terceiro, a queda do “Reich”, Berlim destruída e filas de alemães, em busca de mantimentos. Rodolfo, lentamente, dirigiu-se para o lado oposto, encostou-se em Nara, que  cochilava e, quase murmurando-me, disse: “você estragou meu domingo”.


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