terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Mensagem de final de ano



Não sei se 2016 foi um bom ano para você, com tantas tempestades que desabaram sobre nossas cabeças, todavia, tenho certeza que Deus esteve, sempre, a seu lado, mesmo que você não tenha percebido ou, até mesmo, não acredite. Ele é assim mesmo: passa quase desapercebido e nos manda sinais de sua inefável presença e, de repente, no quase desespero do momento, nós nos sentimos reconfortados. É Ele, recarregando nossas baterias com coragem e confiança. Ele também não se importa, se você não acredita nele, pois o importante é que Ele acredita em você, sem lhe exigir nada e, como todo pai, só deseja que você seja feliz. E, para provar isto, Ele faz seu filho, Jesus, nascer todos os anos, inundando as pessoas de esperança de que novo ano seja melhor do que o que se finda.
Que esta esperança esteja com você, hoje e sempre.
Com carinho,
Saul

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

ROLDOFO, EU E O FINAL DE ANO



Saímos, eu Rodolfo, meu politizado pastor alemão e Nara, para nosso habitual passeio no parque. Depois de caminhar por entre as árvores, sento-me em um banco para contemplar a mansidão do lago e o movimento, pessoas que passam, provavelmente envolvidos com seus problemas. Nara, acossada pelos anos, deita a meus pés. Rodolfo, exuberante em juventude, sobe no banco, primeiro, me lambe o rosto – é seu jeito de agradecer-me o passeio – e, depois, acomoda-se a meu lado. É claro que vai ter conversa e é ele quem começa: -“e aí, como foi seu ano? Sempre achei bobagem este negócio de balanço de fim de ano, como se a vida não fosse sequência ininterrupta de acontecimentos, mas fazer planos, imaginar que haverá um novo ano, sempre melhor,  é próprio do ser humano. Espécie de mentira, na qual vocês acreditam. Você, por exemplo, nestes três anos, que convivemos, alterna momentos bons e ruins, mais estes do que aqueles, como se a vida fosse perdendo o sentido, não é verdade?” Afago-lhe a cabeça e demoro um pouco a responder, até porque não tenho certeza do que dizer: - “não é que a vida vai perdendo o sentido, meu caro. Na verdade, a vida vai se perdendo, porque o tempo é mercadoria que não se repõe. Nós humanos, gastamos, inutilmente, boa parte desse tempo e, quando nos damos conta, constatamos que o estoque de afeto, de paz interior, acabou. Passamos a vida cultivando o preconceito, a soberba e o egoísmo, achando que somos melhores, porque temos ou mais cultura, ou mais dinheiro, ou melhor posição social,  quando concluímos pela desimportância de  tudo isto, o tempo é o final da luz da vela, que vai apagar, daqui a pouco. Não há pote para guardar alegrias vividas. Elas, como se fumaça fossem, desaparecem no ar, vagas e apagadas lembranças ficam. Aprendi, tardiamente, a viver tão somente o momento presente. Agora, por exemplo, estamos nós três, aqui., nesta tranqüilidade. Não quero, nem vou pensar no que acontecerá mais tarde ou amanhã. Por isso, qualquer avaliação do ano terminal não tem qualquer significado, afinal, o que houve, de bom ou de ruim, passou.” Mas Rodolfo insiste, talvez apenas para manter a conversa: - “e o que você planeja ou espera do próximo ano?” – “não planejo coisa alguma e, se ainda  estiver por aqui, com saúde para trabalhar e dar estes nossos passeios, já estarei no lucro. Além do mais, os fatos acontecem, independentemente de nossas vontades, nosso poder de interferir é mínimo.” - “E se você ganhar os 200 milhões da mega cena da virada, não muda tudo?”, insiste Rodolfo. – “Por mais incrível que pareça, meu caro Rodolfo, não muda quase nada. Afora ajudar algumas pessoas, algumas instituições, que posso fazer de tão radical, a esta altura da vida? Se fosse pelo menos 10 anos mais jovem, por certo compraria uma casa, com terreno gigantesco para você ter uns 30 irmãos, com os quais conviveria ou, talvez viajasse para alguns poucos lugares, para onde não fui e não mais poderei ir. O tempo, meu amado Rodolfo, como diz um poeta francês, é carrasco sem piedade. Veja a Nara, deitada  a meus pés. Já teve sua idade, fazia as loucuras que você faz e, hoje, fica alegre em sair conosco, mas, quando voltamos, nem me acompanha, na subida da escada.” – “Afinal, quantos anos você tem, por que essa obsessão em esconder a idade?, - “eu não escondo a idade, eu me escondo da idade, Rodolfo. É uma espécie de negação da realidade. Eu saber quantos anos tenho, já é gente demais para tão fúnebre conhecimento.” Rodolfo desce do banco, ameaça avançar sobre um gato, que mostra o rosto entre a folhagem, Nara sai de sua letargia, sinais que dão o passeio por concluído. Retornamos à casa, como de hábito, Rodolfo sobe a escada comigo e, antes que eu entre, ele diz que quer conversar comigo, em separado, sobre as perspectivas do Brasil para 2017. Balanço a cabeça, com tédio, como a perguntar: que perspectivas? A partir do dia 22 entro em “férias coletivas”, de tudo e de todos...menos do Rodolfo.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

UMA JORNADA INÚTIL



Segunda feira chuvosa não seria pretexto para que Rodolfo, meu amado pastor alemão, me receba com pouco entusiasmo. Nada de pulos no portão, exigindo-me que lhe beije o focinho, antes de abrir-lo. Ao contrário, coloca-se à distância dele, eu o abro e ele se limita a  acompanhar-me escada acima, enquanto eu, em gesto mecânico, afago-lhe o dorso. Ele não resiste:- “vejo, até pelo seu andar, que você teve um dia difícil. Quebre seu hábito de não beber durante a semana, faça  um uísque duplo e se concentre em alguma coisa boa, por exemplo, a excelente colocação do Botafogo no brasileirão”. Rodolfo, com a  idade e a estreita convivência, vai me conhecendo melhor do que qualquer pessoa, parentes e clientes, a quem prefiro fingir que as águas correm límpidas e serenas. Persigo um lema: se você não pode resolver meu problema, não tenho direito de atormentá-lo, com ele. Mas, com Rodolfo, vivo quebrando regras. Desisto de entrar em casa, desço a escada, tiro o paletó e me sento debaixo dela, na cadeira de vime. Rodolfo, surpreso, mas quieto, acomoda-se ao meu lado. Nara se aproxima, esfrega a cabeça em minhas pernas, eu massageio suas costas e ela deita mais distante. Como de hábito, ouvirá, mas não participará da conversa que pressentiu que iria iniciar, entre mim e Rodolfo. Eu dei a partida:  - “Rodolfo, você sabe o que é abuso de autoridade?”  - “Não tenho a menor idéia, respondeu ele, porque você, mesmo quando está de mau humor, como hoje, nos trata com carinho e atenção? Até o Clóvis, aquele chato, que late sem causa, você é incapaz de dar uns safanões nele!” – “Pronto, mesmo sem querer, você se aproxima do conceito. Tomemos as duas palavras “abuso” e “autoridade”. Esta identifica alguém que, apenas por razões objetivas, tem o comando de uma situação. “Abuso” vem a ser o uso indevido dessa “autoridade”. E, na extremidade oposta situa-se a vítima desse abuso, pessoa que, por covardia ou conveniência, não se contrapõe ao abuso. Por exemplo, o empregador, que humilha o empregado e este, para não colocar em risco seu emprego, não reage. Todavia, desta “não reação” surgirá ressentimento que, mais cedo ou mais tarde, poderá explodir. Você entendeu?” - “Claro, como água, sua explicação, mas não entendi qual a relação com este seu estado de espírito, tão pra baixo.” –“é que hoje fui vítima de ato de abuso de autoridade, contra o qual não pude reagir para não prejudicar o cliente. Nós advogados, estamos sempre reivindicando alguma coisa e sabemos que ganhar ou perder faz parte do jogo. Apesar de, na teoria, afirmar-se que juiz e advogado estão no mesmo patamar, na prática a teoria é outra, porque a decisão fica na caneta do juiz. Tenho tido o privilégio de, ao longo do tempo, ter convivido com Magistrados, de alto saber jurídico, mas que jamais colocaram “salto alto”, para conversarem com advogados. Volto, em tempos remotos, minha memória para o então Ministro do Supremo Tribunal Federal, Moreira Alves, uma das mais fulgurantes  culturas jurídicas do Brasil, que gastou seu tempo, ouvindo-me, eu, ainda imberbe profissional. Sepúlveda Pertence era outro exemplo de cordialidade, no atendimento a advogados. Em nosso Tribunal, são incontáveis os exemplos de desembargadores que até exageram no bem tratar o advogado, como pude constatar, mais recentemente, ao ser recebido pelos desembargadores Fernando Torres Garcia, Hermann Herschander, Marcia Barone e Maria de Lourdes Rachid. Falar do Chico Bevilacqua,  do Aluísio de Toledo Cesar, (estes prematuramente aposentados por uma lei burra) e do Mario Antonio da Silveira, amigo de quase uma vida inteira, chega a ser covardia. E olha que nunca lhes pedi qualquer privilégio – nosso relacionamento pressupõe respeito – e deles já recebi votos desfavoráveis a minhas pretensões”. Rodolfo, com indisfarçável impaciência, resolve me interromper: “você está quase fazendo uma auto-biografia e eu ainda não entendi o que tem tudo isto, que você disse, com sua irritação de hoje”. Resolvi encurtar a história, até porque ainda nem mesmo entrara em casa: “pois agora, Rodolfo, vou ao caso de abuso de autoridade, de que estou sendo vítima, sem poder reagir: no dia 22 de outubro, fui procurado por meu cliente, que teve todo seu dinheiro – cerca de 500 mil reais – penhorado, em ação judicial. No dia 27 do mesmo mês de outubro, fui despachar com a desembargadora Ana Liarte de refinada educação que, sensível aos argumentos técnicos, por mim apresentados, determinou o imediato desbloqueio. Acontece que, quem operacionaliza o desbloqueio é o juiz da vara, por onde corre a ação, no caso, o juiz da 7ª Vara da Fazenda Pública da Capital. A guia para levantamento do dinheiro repousa, na mesa dele, aguardando, apenas, que ele a assine. Hoje, 2ª feira, pela terceira vez, fui falar com ele, solicitando a malfadada assinatura. Ele, irritadiço, afirmou que se eu  continuasse a pressioná-lo, aí é que ele não assinaria mesmo. E contou-me, com o orgulho dos idiotas, das lágrimas, derramadas por colega, em situação análoga e para quem ele, também, do alto de sua importância, dissera “não”. Quis eu lhe dizer algumas palavras, misturando conceitos de direito, justiça e bom senso. Pensei em fazer-lhe ver que efêmera era a cadeira que sustentava sua pretensão de ser o senhor das coisas e das pessoas. Desisti, primeiro, porque seria ato quixotesco  que reverteria contra meu cliente; segundo, porque os pretensiosos só enxergam seus próprios umbigos e, terceiro, porque, seguramente, tal deturpação de comportamento, deveria ter origem psicológica, fora de minha compreensão. Engoli seco minha frustração, as palavras não ditas, saí do fórum, atravessei a rua, entrei na Igreja para agradecer a Deus por minha estrada estar chegando ao fim. Restam poucos tiranos a enfrentar” Calmamente, como convém aos que se amam, Rodolfo apoiou seu focinho em minhas pernas, olhando-me nos olhos e entendendo minha tristeza de 2ª feira.
P.S.: Os colegas que quiserem se desrecalcar das agruras sofridas, em mãos de juízes despóticos, sugiro a leitura do livro “O ADVOGADO REBELDE”  de John Grisham. Leitura fácil, mas absorvente.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

PEQUENA HISTÓRIA DE UM AMOR PEDIDO



Convoca-me meu filho para acompanhá-lo à loja, onde comprará fantasia para meu neto. Pedido de filho e de neto não dá para recusar. Entramos e, entre dezenas de pessoas, lá estava ela, morena, cabelos pretíssimos, véu bordado cobrindo o rosto, vestindo módico biquíni preto, deixando à mostra coxas longuíssimas. Olhos pretos brilhantes, que pousaram  nos meus, esboçando tênue sorriso. Logo em mim,  matusalém assumido que, de longa data, não merecia nem mesmo um olhar feminino de desprezo! Sorri-lhe, timidamente e ela manteve o sorriso. Deveria ser alguma vendedora, querendo estimular potencial cliente. Não, não poderia ser! De biquíni, na frente do balcão? Então seria espécie de “chamariz”. Não importava, fosse quem fosse, eu estava deslumbrado com sua beleza, suas coxas torneadas e tudo isto olhando para mim, como se eu ainda valesse a pena. Pensei em abordá-la, pedir o telefone, mas, com meu filho ao lado...era preciso manter a imagem de pai. Ele chamou-me para o fundo da loja e tive a impressão, quase certeza, que ela me seguia com os olhos. Quando saímos, compras concluídas, ela continuava no mesmo lugar e despediu-se de mim com o mesmo sorriso. Em casa, durante dias e principalmente noites, pensava nela, sonhava com ela, sempre de biquíni, levantando o véu, para tomar-me os lábios. Senti o perfume de seu hálito se desprender dentro de mim. Tentei adivinhar-lhe o nome, mas nenhum combinava com seus olhos e coxas. Conhecê-la, conversar com ela, quem sabe convidá-la para aperitivo, em final de tarde, passou a ser obsessão. Onde levá-la, eu, eu, ausente da vida há tanto tempo? Numa tarde, chuva ameaçando desabar, com a ansiedade de adolescente, tomei coragem e entrei na loja. Ensaiara palavras inteligentes para impressioná-la, mas ao passar pela porta, tudo foi arrancado de meu cérebro. Tinha Certeza que diria óbvias palavras banais. Pensei em recuar, mas sabia, se o fizesse não teria paz.  Agora era seguir em frente. Percorri todas as dependências da loja, fixei-me no rosto de todas as vendedoras e não a encontrei. Seria seu dia de folga? Meu coração batia acelerado e minhas mãos encharcavam-se de suor. Até que fui abordado por um homem que, identificando-se como gerente, perguntou-me:- “desculpe, mas vejo o senhor, andando pra lá e pra cá, precisa de alguma coisa, posso ajudá-lo?”. De forma confusa e gaguejante, disse-lhe quem procurava. Ele, também perturbado, deu-me surpreendente resposta: “Ah, o senhor fala daquela manequim, fantasiada de bailarina oriental? Ela está sendo preparada para a festa do “haloween”, será uma bruxa. Mas o que o senhor quer? “ A voz calou-me na garganta e, só com muito esforço e depois de um tempo, que me pareceu séculos, consegui, trêmulo, responder: “é que gostei muito do...do...do manequim” e gostaria de comprá-lo” – “desculpe-me, senhor, mas nossos manequins não estão à venda, mas posso dar-lhe o endereço da fábrica, que os produz. Espere um pouco, que vou até o escritório”. Antes que o gerente voltasse, saí da loja, vistas embaçadas, cabeça a mil e atravessei a avenida, sem olhar para os lados, “quer morrer, ô maluco”, gritou-me o motorista do carro, brecado em cima de mim. Talvez quisesse, afinal  perdera minha última paixão.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

PORQUE HOJE É 08 DE DEZEMBRO

Para os católicos, o dia de hoje, 8, é dedicado à Imaculada Conceição de Maria. O evangelho de Lucas (1,26-38) narra o momento em que o anjo Gabriel  aparece a Maria, comunicando-lhe que, por vontade de Deus, ela dará à luz “um filho e lhe porás o nome de Jesus”. Maria, tomada de encantamento e absorvida pela fé, apenas responde “eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo tua palavra”. A primeira pergunta que emerge, quando se lê o trecho citado é, porque Deus escolheu Maria, humilde moradora de uma vila de operários, para ser a mãe de Jesus. A resposta, está na saudação a ela feita pelo anjo Gabriel: “alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo”. Ela foi chamada “cheia de graça”, porque, nela, nenhuma virtude faltava, era “Imaculada”, vale dizer, sem mácula, sem qualquer mancha, deixada por qualquer pecado. E Maria, ao longo de toda a vida, foi “cheia de graça” e, até no sofrimento do Filho, possuída,  ou melhor, inundada pela fé, aceitou, como serva  do Senhor, que se fizesse a vontade Dele. Olhamos para o sagrado coração de Maria e contemplamos a ternura, que nos afaga, a compaixão que nos consola, nos momentos de dor e aflição, a nós, que em nossos repetidos erros, em nosso imperdoável egoísmo, somos despidos de “graça” e jamais faremos a “vontade do Pai”. Neste dia especial, volto-me para minha mãe biológica que, além de se chamar “Maria” era “Maria da Conceição”, o que significava não ser uma Maria qualquer, mas “da Conceição”, pertencente e com a obrigação de ser, como a Mãe de todas as mães, “cheia de graça”. E tantas elas os teve que, antes de levá-la, Deus conduziu sua memória para a infância, fazendo-a morrer com a pureza de criança. A  ambas as mães, a minha, pequena, mas gigante, em todos os momentos de sua vida e a Mãe de todos, à Imaculada Conceição, peço perdão pelos erros cometidos e por quase nunca permitir que se fizesse em mim, “segundo a vontade do Senhor”.Todas as vezes que meu saudoso Cônego Sergio Conrado, em suas homilias, dizia que todos  somos santos, por sermos filhos de Deus, eu, em respeitoso silêncio, balançava a cabeça, negativamente e me lembrava  do verso de um poema de Vinícius: “ eu sou o incriado de Deus, o que não teve sua alma e sua semelhança”, por isso erro e persevero no erro.

Imaculada Conceição, hoje e todos os dias, rogai por mim e por todos que, como eu, sofrem doenças do corpo e da alma e, mesmo sem merecermos, dai-nos vossa maternal proteção.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Rodolfo, eu e a manifestação frustrada

Chego em casa, após a missa dominical e, imediatamente,  conduzo Rodolfo, meu politizado pastor alemão e Nara, com quem ele mantém união estável, ao parque, absolutamente congestionado, naquela  esplendorosa  manhã de sol. Percorremos caminho alternativo, por entre as árvores, evitando a pista: muitos outros cachorros por lá e Rodolfo é infenso a aglomerações, fica impaciente e, às vezes, até agressivo. A prudência manda evitar conflitos. Depois de quase uma hora de sobe e desce, sentamo-nos em um banco, à sombra, muito mais por mim, estimulado pela minha longeva carteira de identidade.  Houve um tempo – distante tempo – em que dava, correndo, 10 voltas entorno do lago. Éramos um grupo de 10 ou mais, dos quais, hoje, restamos apenas eu e o Ivan, muito mais ele, que ainda corre mesmo de freio de mão puxado. Mas este não é o assunto, até porque, contrariando o cancioneiro popular, recordar não só não é viver, mas é constatar que morremos aos poucos. O Certo é que, mal sentei, Rodolfo subiu no banco e acomodou-se a meu lado. Senti que vinha conversa pesada e eu, ainda com gosto de hóstia, preferia contemplar a exuberância do verde, que me cercava. Mas Rodolfo foi direto ao assunto.
- “você vai à manifestação, na Avenida Paulista? Como sei que é quase uma festa, gostaria que você me levasse.”
Para sua surpresa, quase indignação, respondi que não ia. Ele quis saber o porquê, eu que fora em todas as manifestações, pró  impeachment da ex presidente Dilma:
“mas é um ato importante, contra a corrupção e a favor da lava-jato. Não vai me dizer que você concorda com a corrupção e é contra a lava-jato?”.
Sorri-lhe, alisando-lhe a cabeça:
“em casa, explico-lhe meus motivos”.
Ao retornar, deixei-o se refrescando, fui até a modesta biblioteca, retirei 3 volumes de um livro, fiz escala na geladeira, colocando algumas latinhas de cerveja em  um isopor  e voltei ao encontro de Rodolfo. Sentado em uma cadeira de praia, abri a primeira latinha e coloquei metade do conteúdo em um vasilhame, que ele bebeu com sofreguidão. Questão de origem! Depois que ele se acomodou a meu lado, abri o livro. Tratava-se de “Ascensão e Queda do Terceiro Reich”, sem autor definido, edição ilustrada da “Civilização Brasileira”, de 1962. Mostrei-lhe várias fotografias de multidões de alemães, em comícios nazistas, ovacionando seus lideres , Hitler, principalmente, a prometerem restaurar a dignidade e o poder do povo alemão. “o povo - expliquei-lhe – muitas vezes é utilizado e se deixa utilizar, como massa de manobra para obtenção de  interesses camuflados”. Nas manifestações anteriores – esclareci – havia objetivo determinado: O impeachment de uma presidente que destruíra e seguia destruindo a economia  do País com graves consequências sociais. Já o movimento deste domingo é vago e falso, porque todos somos favoráveis a  atacar a corrupção e a “lava-jato”, como arma para esse ataque, não pode ser desmontada. Agora, o que se repudia e é por isso que não prestigio a manifestação, é fazer do combate à corrupção uma cruzada, como se fosse ela, a corrupção, o grande problema do País. Ela, a corrupção, é problema cultural, que vem sendo minimizado, estruturalmente com a educação e, conjunturalmente, com operações, como a “lava-jato”, operações que não podem ser utilizadas, parar gerarem “salvadores da pátria”, que se transformam em heróis, a  se  situarem acima do bem e do mal. Hitler, durante certo tempo, foi  herói do povo alemão, como Mussolini o foi da Itália e Stalin foi da Rússia e das conseqüências desse “heroísmo” sabemos as conseqüências. Hoje o grande problema do Brasil, a ser solucionado, é a crise econômica, que gera desemprego. A “lava-jato” por excesso de estrelismo, tem fragilizado as instituições, agravando a crise econômica. Agora mesmo, o Poder Judiciário colide com o Legislativo, gerando descrédito para o primeiro e paralisando o segundo. Eu pergunto: quem vai investir em um País de instituições frágeis? E, sem investimento, a economia, na melhor das hipóteses, fica estagnada e as conseqüências sociais são visíveis, além do desemprego, o aumento da criminalidade e a perturbação da ordem pública. A polícia realiza, com habitualidade, operações para combater o tráfico de entorpecentes, a pedofilia, a pirataria de produtos e faz tudo isso sem nenhum alarde. Essas operações são menos importantes que a “lava-jato”? claro que não! todavia, como esta foi no fígado da elite, ganhou o apoio da mídia e seus agentes estão se  transformando em “heróis”, com poderes para  afrontarem o ordenamento jurídico, sem o qual nenhuma democracia sobrevive. Esta manifestação de hoje, domingo, não tem objetivo corpóreo e o incorpóreo, oculto, camuflado é nefasto ao País, porque coloca em risco as instituições. ”Estas são as razões pelas quais lá não colocarei os pés”. Enquanto eu apresentava minhas justificativas, Rodolfo, saboreando a cerveja que eu repusera em seu vasilhame, ia folhando os volumes do livro: o primeiro retratava o surgimento e o apogeu do nazismo; o segundo, a guerra, em si, da invasão da Polônia aos horrores dos campos de concentração; o terceiro, a queda do “Reich”, Berlim destruída e filas de alemães, em busca de mantimentos. Rodolfo, lentamente, dirigiu-se para o lado oposto, encostou-se em Nara, que  cochilava e, quase murmurando-me, disse: “você estragou meu domingo”.


quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Rodolfo, eu, Fidel Castro e Cuba


Chego em casa, domingo à noite e sou abordado por Rodolfo, meu politizado pastor alemão, dizendo-me que compreendia minha correria, mas precisava falar comigo. Enquanto trocava de roupa, tentei imaginar o assunto. Sobre a conquista do Palmeiras, por certo não seria. Adepto do ‘’Bayern’’ de Munique, torce o nariz, ou melhor, o focinho para o futebol, abaixo do Equador. Ainda traz vivo, na memória, os 7x1 da última copa. Roupa trocada, chamo-o à sala, o que lhe traz indisfarçável descontentamento, pois indica que não haverá passeio no parque. Ele se posta a meu lado e vai direto ao assunto:
- ‘’este tal de Fidel Castro, que acabou de morrer, foi mesmo tudo isto que a mídia está falando? Nestes quase 5 anos que estamos juntos, você faz referencia aos Estados Unidos, aos países da Europa, mete o pau na Venezuela, mas de Cuba, nenhum comentário. Por que?’’
E o pior é que o Rodolfo tinha razão nas duas coisas: a imprensa massacrou-nos com notícias sobre Fidel, como se fosse ele o mais importante líder político do mundo e, por outro lado, tinha razão, porque Cuba jamais esteve inserida em minhas preocupações. É desses países, como a Albânia: sabemos que existe, mas não têm qualquer relevância. Entretanto, Rodolfo, com indisfarçável ansiedade, aguardava minhas explicações.
- ‘’meu amado Rodolfo, Fidel Castro foi o estadista do atraso. Estive em Cuba, no inicio dos anos 90 e, além de uma repressão, que constrangia até os turistas, a pobreza estava disseminada. Conversei com alguns jovens e todos alimentavam plano de irem para os Estados Unidos. O tão decantado avanço, no campo educacional, é pura falácia, pois o acesso à Universidade é privativa dos membros do partido, isto sem contar que, pela ausência de desenvolvimento, não há mercado de trabalho para os egressos das Universidades. A mesma falácia constituiu-se no campo da saúde pública. À exceção da medicina tropical, Cuba é zero nos demais ramos, até porque o médico, lá formado, é proibido de sair do País, para cursos de especializações e, quando sai, é para integrar programas geridos pelo governo, como esse + Médicos. Cuba sobreviveu, economicamente, até o final dos anos 80, enquanto durou a União Soviética, que a subsidiava, enfiando cerca de 01 bilhão de dólares por ano, naquele País, apenas por questões estratégicas, em relação aos Estados Unidos. Com o fim da União Soviética, a ‘’mesada’’ foi cortada e o que já era ruim ficou péssimo. O cubano é simpático, generoso, o País tem praias lindíssimas, mas, além da repressão política, o povo, sofre, até mesmo repressão alimentícia, porque não é tudo que pode comer. Fidel foi ditador sanguinário, que mandou matar mais de 20 mil oponentes políticos e provocou a fuga de cerca de 100 mil cubanos, especialmente para Miami, onde comemoraram, como se estivessem em carnaval, a morte do dito cujo. E, para completar, propagou sua anacrônica ideologia, especialmente para a América Latina, gerando ‘’filhotes’’, como Lula, Morales e Hugo Chávez. Em resumo: Fidel foi cancro, que levou Cuba para o século 19,  fazendo o País ter saudades do corrupto governo de Fulgêncio Batista, que ele derrubou. Como me disse um velho cubano: ‘’pelo menos, no tempo de Batista, nos tínhamos empregos, nos cassinos e nas casas noturnas’’. É isto aí, meu caro Rodolfo, se posso interpretar o sentimento cubano, diria: Fidel, você já foi tarde!’’
Imaginava eu ter encerrado a conversa e já me levantava para ir embora, quando Rodolfo imobilizou-me com as patas, dizendo:
- ‘’espera um pouco. E agora, como fica Cuba com a morte de Fidel?’’
- ‘’ainda não dá para ter idéia precisa. Cuba é dirigida por Raul, irmão de Fidel, que está tentando reaproximação com os Estados Unidos, mas, agora, com a eleição de Trump, essa reaproximação vai esfriar, já que o novo Presidente norte-americano fará duras exigências para manter o apalavrado por Obama. Na verdade, em termos comerciais, Cuba nada tem a oferecer aos Estados Unidos, em particular, e ao mundo, em geral. Sua vocação é, predominante, turística, todavia os norte-americanos só investirão lá, se tiverem absoluta segurança, política e financeira desses investimentos’’.

Rodolfo deu-se por satisfeito, saiu porta a fora, desceu as escadas e, como de hábito, recolheu-se, sob a caixa de correspondência, para refletir.