quinta-feira, 28 de março de 2013


PORQUE É SEXTA FEIRA DA PAIXÃO

A Sexta-Feira Santa, além dos aspectos litúrgicos, remete-me à infância, em minha cidade do interior. Era, para todos, independentemente da crença religiosa, dia absolutamente sagrado: as rádios (ainda não havia televisão) apenas tocavam músicas sacras, ou, no máximo, clássicas. Quase não se falava e se se o fazia, era em voz baixa, em estado de total recolhimento. Bares, restaurantes, padarias, absolutamente nada funcionava e, para se prevenir as pessoas tinham de se abastecer de véspera. Às seis da tarde, toda a população se reunia em frente à Igreja Matriz para assistirem à encenação da “Paixão de Cristo”, interagida, com muita emoção. Até as “moças lá de cima” marcavam presença e, naquele dia sagrado, recusavam-se a “prestar seus serviços” aos mais hereges. Quando me mudei para São Paulo, no início dos longínquos anos 60, essa tradição ainda perdurava, se bem que em escala muito menor. Poucos estabelecimentos comerciais funcionavam e as farmácias, apenas as de plantão ficavam abertas. Na televisão, ainda incipiente, predominavam os temas bíblicos, com destaque para os sofrimentos de Cristo. O tempo passou e a religiosidade transformou-se em quase gueto. A maioria, sem saber distinguir dia santo de feriado, arruma suas tralhas e encara horas de viagem até o litoral ou o campo. E quanto a Cristo e seu sacrifício? Deixam-no na cruz, quase como figura de ficção. Afinal, o que fez ele? Certa feita, alguém, do alto de sua imbecilidade e de seus múltiplos defeitos, perguntou: afinal, se Cristo é chamado “Salvador”, de que ele nos salvou? Eu, cá de mim, na minha ignorância e mediocridade, perpetuando-me em meus erros, preciso ser salvo, todos os dias, pelos ressentimentos, que sou incapaz de superar; pelos preconceitos, que sou incapaz de sobrepujar; pelo egoísmo, que me faz indiferente ao sofrimento do próximo; por cultivar mais o desamor do que o amor; por ter a definitiva certeza que nada acrescento a quem está à minha volta. Por tudo isto, retorno à minha infância, na sexta-feira santa e tento refletir no sofrimento de Cristo e no mistério indecifrável do calvário e peço a Cristo, sendo eu o maior dos pecadores, que tenha misericórdia de mim e me torne digno do Seu sacrifício.

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