O Sentido da Vida
Seguindo um hábito trintenário, lá ia eu, naquele frio começo
de noite, a caminhar pelo parque, pensamentos ainda não despregados do
cotidiano. Notara que, já por duas voltas, um homem me cumprimentara, até com
certa afabilidade. Tantos anos de andança, por certo seria um conhecido, que
minha memória, já fraquejante, não reconhecia. Na terceira volta -andávamos em sentido contrário –
ele me abordou, a perguntar se podia caminhar comigo.
- “é claro, com prazer”,
respondi. A princípio falamos amenidades, o frio, que deixava o parque vazio, o
trânsito, ainda intenso àquela hora. Pouco a pouco foi falando de si e eu bom
ouvinte, até por curioso que sou, deixei-o falar, sem interromper.
Acabara de completar 52 anos – apesar de aparentar quase 60 –
casamento de 25 anos desfeito pelos desgastes cotidianos que, se não bem
administrados, destroem qualquer relacionamento. A ex-mulher casara com outro
e, mais do que ressentimento, descobriu que ela ainda era fundamental em sua
vida, mas ele nada mais representava para ela. Um único filho, criado, morando
nos Estados Unidos, onde fora tentar a vida. Enfim, era um homem só, incapaz de
conviver com a solidão. Parou de falar, como a esperar que eu lhe dissesse uma
palavra mágica, que o livrasse daquela tristeza.
Disse-lhe alguma coisa, tão óbvia, quanto inútil e lhe
perguntei se gostava de ler, hábito que nos ajuda a aplacar a solidão. Mas não
foi com essa intenção que perguntei. É que, leitor compulsivo, com tantos
fevereiros acumulados, dificilmente impressiono-me com um novo livro, a ponto
de recomendá-lo a terceiros. Acontece, porém, que, recentemente, caiu-me às
mãos uma obra, já em sua 33ª edição, onde o autor, psiquiatra, professor na
Universidade de Viena, narra sua dolorosa experiência, como prisioneiro de
campo de concentração nazista e da qual retira os fundamentos do que chama de “logoterapia”, por ele conceituado como
um tratamento que “confronta o paciente
com o sentido de sua vida e o reorienta para o mesmo”.
Sua dura experiência no campo de concentração lhe ensinara
que os que conseguiam sobreviver ancoravam-se no “sentido da vida”, encontrado em diversas razões, como, por exemplo,
a esperança de encontrar o filho, que, ao início da guerra, fugira para a
América, ou do cirurgião que esperava divulgar a nova técnica, que
desenvolvera. A contrário senso, o psiquiatra – autor constatou que pessoas,
mesmo fisicamente mais fortes, mas que não conseguiam identificar um sentido
para continuar vivendo, acabavam morrendo.
Na essência, a “logoterapia”
não passa da sedimentação da “esperança”,
tão fundamental que foi erigida a virtude teologal, ao lado da fé e da
caridade. Conversei sobre o tema com meu companheiro andarilho, obtive-lhe o
endereço e, dois dias depois, mandei-lhe o tal livro. Ontem, na mesma boca da
noite, voltei a encontrá-lo. Ele me cumprimentou sorridente e apenas me disse:
“estou em busca de uma razão para
continuar vivendo. Ainda não achei, mas a expectativa de encontrá-la tem
tornado possíveis meus dias.”
Quanto ao livro, que recomendo aos angustiados ou não,
trata-se de “Em busca de sentido”,
Viktor E. Frankl, editora Vozes, 33ª edição.
Fico devendo mais esta ao dileto colega, Dr. Ivo Galli, que
me proporcionou conhecer tão marcante obra.
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